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domingo, 5 de junho de 2011

______ .A Necessidade da Mentira


A imoralidade da mentira não consiste na violação da sacrossanta verdade. Ao fim e ao cabo, tem direito a invocá-la uma sociedade que induz os seus membros compulsivos a falar com franqueza para, logo a seguir, tanto mais seguramente os poder surpreender. À universal verdade não convém permanecer na verdade particular, que imediatamente transforma na sua contrária. Apesar de tudo, à mentira é inerente algo repugnante cuja consciência submete alguém ao açoite do antigo látego, mas que ao mesmo tempo diz algo acerca do carcereiro. O erro reside na excessiva sinceridade. Quem mente envergonha-se, porque em cada mentira deve experimentar o indigno da organização do mundo, que o obriga a mentir, se ele quiser viver, e ainda lhe canta: "Age sempre com lealdade e rectidão".

Tal vergonha rouba a força às mentiras dos mais subtilmente organizados. Elas confundem; por isso, a mentira só no outro se torna imoralidade como tal. Toma este por estúpido e serve de expressão à irresponsabilidade. Entre os insidiosos práticos de hoje, a mentira já há muito perdeu a sua honrosa função de enganar acerca do real. Ninguém acredita em ninguém, todos sabem a resposta. Mente-se só para dar a entender ao outro que a alguém nada nele importa, que dele não se necessita, que lhe é indiferente o que ele pensa acerca de alguém. A mentira, que foi outrora um meio liberal de comunicação, transformou-se hoje numa das técnicas da insolência, graças à qual cada indivíduo estende à sua volta a frieza, e sob cuja protecção pode prosperar. Theodore Adorno, in "Minima Moralia"

segunda-feira, 8 de março de 2010

Uma vida sem consolação


A filosofia não pode nos consolar. Poderia, talvez, nos ajudar a viver uma "vida sem consolação"


Como falar da relação entre filosofia contemporânea e consolação? Com hesitação, mas com firmeza, tentando evitar uma dupla complacência: em primeiro lugar, a tentação de transformar a filosofia numa nova terapia, mais lúcida que as religiões vigentes, menos cara e menos longa que a psicanálise. Essa tentação é forte, bem estabelecida, até reivindicada por alguns como sendo a função derradeira da filosofia e instituída em várias práticas terapêuticas. Sem negar a relação que une, de Platão até Wittgenstein, filosofia e cura, duvidaria que a filosofia contemporânea deva ter essa função consoladora e terapêutica que consiste na possibilidade de construção de um sentido para a vida (e a morte) num mundo desencantado.
Intervém, nessa recusa, a tentação de uma segunda forma de complacência: o perigo de arrogância que corre o filósofo crítico quando se reclama de uma lucidez radical. Dessa lucidez vive a filosofia de Adorno.Minima Moralia, esse belo livro de fragmentos sobre a vida "danificada" ou "lesada", inicia o fragmento 5 com a afirmação de que "não há mais nem beleza nem consolo ( Trost) exceto no olhar que vai até o horror ( Grauen), o enfrenta e nele se mantém" - uma clara citação da exigência de Hegel que o espírito verdadeiro enfrente a morte, o negativo, e nele se demore. O mesmo fragmento conclui com a condenação, por parte do intelectual honesto, de toda "colaboração" ( Mitmachen) com as aparências de reconciliação do real. No fragmento seguinte, Adorno retoma essa exigência de não colaboração, mas adverte numa "antítese": "Quem não é conivente ( der nicht mitmacht) corre o risco de tomar-se por melhor que os outros e de se aproveitar de sua crítica da sociedade como uma ideologia para seu interesse privado".
Teríamos, então, a seguinte alternativa: ou a filosofia se define como última tentativa de encontrar sentido e consolo, reservando ao filósofo a honra de uma verdadeira missão terapêutica (observação: não afirmo que não haja nem sentido nem consolação, somente digo que não cabe à filosofia a função de tentar encontrá-los), ou, então, como uma lucidez exacerbada que nega qualquer possibilidade de aceitação do existente e confere àquele que a profere a dignidade de uma resistência solitária e estéril.
Laços frágeis
Não pretendo conseguir escapar a essas duas armadilhas que confortam o "ego" do filósofo, um ego já bastante fragilizado, diga-se de passagem. Tento contorná-las por uma pergunta mais modesta: por que os laços antigos entre atividade filosófica e consolação se tornaram tão frágeis, talvez até tenham se rompido, na filosofia contemporânea? Quais são as razões históricas desse rasgo?
Algumas pistas para uma resposta. A primeira pista orienta a filosofia de Adorno e, de maneira mais ampla, de boa parte da reflexão (filosófica, política, estética) depois de Auschwitz. Se o exercício da filosofia, aaskesis, podia me consolar da minha própria morte, me ajudar a enfrentar a finitude, talvez mesmo me ajudar a fazer o trabalho de luto pela morte de um ser próximo, essa bela meditação se revela impotente diante da organização "racional" do massacre, diante da "morte em massa" (Jorge Semprún). Não se trata mais aqui de concluir uma paz (mesmo provisória) com a morte singular, mas de se defrontar com algo muito pior: com o mal absoluto, com uma negatividade à qual não se pode opor nenhuma positividade. Surge o escândalo da impossibilidade de qualquer síntese. Essa interdição regula os testemunhos impossíveis de um Primo Levi ou de um Robert Antelme: deve-se, sim, contar o horror ( Grauen), mas ele ultrapassa a faculdade de representação humana; deve-se, portanto, narrar sem apelar a nenhum consolo, sem tentar encontrar uma derradeira significação porque qualquer construção de sentido (e de justificativa) equivaleria a uma profanação dos mortos.
Outra pista possível: essa atitude crítica, mas humilde, é também fruto de uma transformação histórica do discurso e do saber filosóficos. A atividade filosófica não é mais reservada a alguns poucos, aristocratas ociosos e sábios, que encarnam o paradigma de uma humanidade plena - como ainda era no caso da Grécia Antiga, por exemplo. Ela deveria se dirigir, senão à grande massa, pelo menos a todos os homens de razão, numa universalidade ideal. Essa "democratização", efeito da irradiação do cristianismo e, igualmente, dos movimentos políticos emancipatórios e revolucionários, caracteriza a assim chamada modernidade. Como o faz também o "desencantamento do mundo" (Weber), a separação entre as esferas da religião e da ciência.
De um lado, o discurso filosófico se separa do da fé e da religião, do outro ele se endereça, pelo menos potencialmente, a todos os homens - mas sem poder lhes dar um "sentido" para sua vida. Essas duas características da Aufklärung esclarecem por que o filósofo contemporâneo não pode mais gozar de certa indiferença autárquica, contentando-se com a própria sorte e cuidando da própria virtude, sem se preocupar com a vida e a infelicidade de muitos outros (por exemplo, os milhões de vítimas da Shoah). Esclarecem também, quase ironicamente, por que tampouco pode ele se dar por satisfeito com uma consolação que apelaria a uma entidade transcendente: se fizesse isso, o filósofo abandonaria um discurso fundado na ordem da razão - mesmo que essa razão seja denunciada nas suas deformações e insuficiências como em Adorno e Horkheimer - e passaria a afirmações de ordem da fé, recaindo na confusão entre discurso filosófico e discurso religioso.
Mestres da suspeita
Ora, depois dos três "mestres da suspeita" (uma expressão comum tanto a Michel Foucault quanto a Paul Ricoeur), isto é, depois de Nietzsche, Marx e Freud, impõe-se uma atitude filosófica, epistemológica, mas também ética, de resistência à assimilação entre aspirações (legítimas, de certo) a uma vida justa e suas traduções apressadas em doutrinas políticas ou religiosas. Cabe, então, à filosofia certa austeridade da reflexão em oposição ao entusiasmo da crença. Como o disse várias vezes Ricoeur, reputado por leitores superficiais e hostis como sendo um "filósofo cristão", a filosofia só pode ser uma "filosofia sem absoluto", isto é, um discurso ciente dos limites tanto da razão quanto da fé, que não pode pretender encontrar um sentido último nem para a vida humana, nem para a morte, nem para o sofrimento, nem para o mal.
Uma filosofia que recusa a teodiceia e, igualmente, a totalização da razão hegeliana (deve-se saber "renunciar a Hegel", escreve Ricoeur). Leitor atento de Freud, Ricoeur fez seu diagnóstico psicanalítico da religião: a religião é uma "compensação da dureza da vida", ela não preenche somente um papel repressor de interdição e de elaboração da lei, mas, mais profundamente, responde a um desejo, um "desejo de proteção e de consolação", sendo que "o nome desse desejo é a nostalgia do pai" (Paul Ricoeur, Le Conflit des Interprétations, p. 448). Esse desejo, inerente à fragilidade humana, permanece e deve ser, aliás, levado a sério - mas não cabe à filosofia oferecer respostas e soluções para essa "nostalgia do pai". Ao contrário, seguindo a máxima kantiana, ela deveria nos ajudar a sair de nossa "menoridade autoculpada" e nos tornar adultos e deveria nos ajudar a sair de nossa "menoridade autoculpada" e nos tornar adultos e autônomos (mesmo que não onipotentes!).
Em suma: a filosofia não pode nos consolar. Poderia, talvez, nos ajudar a viver uma "vida sem consolação", para retomar a expressão de Camus noMito de Sísifo. Esse belo ensaio defende um "pensamento do absurdo" (porque não se encontra um "sentido" último), mas não uma filosofia niilista ou desesperada. Na esteira de Nietzsche e da antiga poesia grega, Camus pelo contrário insiste no esplendor da vida, justamente porque ela é efêmera e mortal, devendo ser vivida plenamente em cada presente. O filósofo cita em epígrafe os versos de Píndaro:
"Oh, cara alma, não aspire à vida imortal,
Mas saiba esgotar o campo do possível!"
Tratar-se-ia de um retorno ao antigo estoicismo grego? Duvido, porque não pode mais existir na modernidade o mesmo sentimento de ordenação do kosmos e de pertencimento do homem à physis universal como no pensamento antigo. Trata-se, isso sim, de uma exortação a permanecer no campo da imanência, na dor e na beleza do mundo. A filosofia não tem mais por tarefa nos ensinar a morrer, mas deve muito mais nos ensinar a viver plenamente, a "estar vivo até à morte", como o diz Ricoeur em suas reflexões póstumas sobre a morte (isto é, sobre o medo da morte e a ignorância insuperável a esse respeito). Essa exigência de vida plena, de "vida reta", como a chama Adorno, retomando a expressão grega, é uma exigência de transformação da imanência sem poder apelar nem a um fundamento metafísico universal nem à garantia de uma presença transcendente. Permanecendo na finitude, a filosofia nos ajuda a reconhecer o sofrimento e a transformar a vida.

domingo, 11 de outubro de 2009

Solidão e Sabedoria de Vida


"A solidão concede ao homem intelectualmente superior uma vantagem dupla: primeiro, a de estar só consigo mesmo; segundo, a de não estar com os outros. Esta última será altamente apreciada se pensarmos em quanta coerção, quantos estragos e até mesmo quanto perigo toda a convivência social traz consigo. «Todo o nosso mal provém de não podermos estar a sós», diz La Bruyère. A sociabilidade é uma das inclinações mais perigosas e perversas, pois põe-nos em contacto com seres cuja maioria é moralmente ruim e intelectualmente obtusa ou invertida. O insociável é alguém que não precisa deles. Desse modo, ter em si mesmo o bastante para não precisar da sociedade já é uma grande felicidade, porque quase todo o sofrimento provém justamente da sociedade, e a tranquilidade espiritual, que, depois da saúde, constitui o elemento mais essencial da nossa felicidade, é ameaçada por ela e, portanto, não pode subsistir sem uma dose significativa de solidão. Os filósofos cínicos renunciavam a toda a posse para usufruir a felicidade conferida pela tranquilidade intelectual. Quem renunciar à sociedade com a mesma intenção terá escolhido o mais sábio dos caminhos. "

"Aforismos: Solidão e Sabedoria de Vida
por Arthu Schopenhauer"

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Suicídio - Émile Durkheim


O primeiro estudo sociológico sobre o suicídio foi elaborado pelo cientista social francês Émile Durkheim, em 1897. O interesse de Durkheim no suicídio como um tema e objeto de pesquisa social foram determinados pelos pressupostos teóricos que norteiam toda a obra do autor.

Durkheim concebe o suicídio como um fenômeno social e o considera um aspecto patológico (isto é, uma disfunção, ou uma doença) característico das sociedades modernas.


Indivíduo e sociedade

Até que ponto é possível a coexistência do indivíduo e a coletividade? Esse questionamento perpassa praticamente todo o pensamento sociológico durkheimiano.

Nas sociedades modernas, a consciência individual é mais acentuada, o que acaba resultando num maior grau de autonomia e liberdade de ação. De acordo com Durkheim, porém, o individualismo, que a primeira vista foi considerado por muitos cientistas sociais como um fator desagregador da ordem social, tem resultados benéficos para a integração social à medida que contribui para a progressiva diferenciação social que se manifesta através da divisão do trabalho social.


Função social

A divisão do trabalho social (que deve ser entendida como a proliferação das diferentes profissões e da variedade de atividades industriais) acaba provocando uma crescente interdependência entre os indivíduos. A diferenciação social é um fator positivo para a integração social uma vez que ela gera maior "funcionalidade".

Cada indivíduo, ou grupo de indivíduos, desempenha uma função social (que lhe é própria dentro do quadro de oportunidades e aptidões profissionais) e isso contribui para o conjunto da sociedade. A interdependência ou funcionalidade crescente, subjacentes às sociedades modernas é denominada por Durkheim de solidariedade orgânica.

De acordo com Émile Durkheim, a divisão do trabalho social decorre de um fenômeno social que agrupa os seguintes fatores: volume, densidade material e densidade moral.

O volume pode ser considerado o número de indivíduos que integram uma sociedade. A densidade material se refere ao número de indivíduos em relação ao espaço, ou território, onde vivem. A densidade moral representa o grau de intensidade das comunicações e trocas entre os indivíduos (interação social).

Segundo Durkheim, o volume, por si só não é o fator determinante da diferenciação social. É imprescindível que haja densidade material e moral para provocar o processo de divisão do trabalho social.


Suicídio e anomia
As sociedades podem atravessar, porém, períodos de anomia, situação que ameaça a estabilidade e coesão social. Como diferenciar os fatos sociais considerados "normais" daqueles considerados patológicos (doença) que são causadores da situação de anomia?

Para Durkheim, um fato social se torna patológico quando atinge grandes dimensões e ameaçam a sociedade. O crime (que pode ser definido como a transgressão da lei), por exemplo, é considerado um fato social normal já que é um fenômeno social observado em praticamente todas as sociedades. O crime só se torna um fato social patológico quando assume proporções exageradas. Do mesmo modo, o suicídio pode ser considerado um fato social normal ou patológico.


Ato intencional
Segundo a definição durkheimiana, suicídio é "todo caso de morte provocado direta ou indiretamente por um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia provocar esse resultado". O suicídio, portanto, é um ato intencional na qual a vítima age com objetivo de provocar sua própria morte.

Aparentemente, o suicídio tem todos os atributos de um ato individual, entretanto, Durkheim demonstra que se trata de um fenômeno social. O autor constrói um esquema de análise com base em dados estatísticos sobre a sociedade francesa (que ele denomina de "taxa social de suicídio") e que mede "a relação entre o número global de mortes voluntárias e a população de qualquer idade e de ambos os sexos";
Por meio da análise de dados estatísticos, Durkheim verificou que há uma regularidade na taxa de suicídio no transcurso de um determinado período de tempo. Tais dados foram cruzados com variáveis que incluem a idade, o sexo, o lugar de residência, a religião, o estado civil.

A partir da análise do cruzamento dessas informações, foi possível ao autor desvelar as características sociais dos suicidados e apresentar explicações sobre as determinações sociais que influenciam ou causam o ato do suicídio.

Durkheim diferencia basicamente três tipos de suicídio:

Suicídio egoísta

É um ato que se reveste de individualismo extremado. É o tipo de suicídio que predomina nas sociedades modernas e é geralmente praticado por aqueles indivíduos que não estão devidamente integrados à sociedade e geralmente se encontram isolados dos grupos sociais (família, amigos, comunidade, por exemplo).


Suicídio altruísta

É um ato em que o indivíduo está tomado pela obediência e força coercitiva do coletivo, seja ele um grupo social restrito ao qual pertence ou mesmo a sociedade como um todo. Um exemplo típico de suicídio altruísta é o caso dos soldados japoneses que lutaram na Segunda Guerra Mundial e que ficaram conhecidos como camicases.

Ao lançarem as aeronaves em que pilotavam sobre os inimigos provocando sua própria morte, os camicases japoneses morriam em honra ao imperador, considerado por eles uma divindade. A variante contemporânea do suicídio altruísta são os atos terroristas praticados por fanáticos religiosos e extremistas políticos.


Suicídio anômico
Representa mais propriamente uma mudança abrupta na taxa normal de suicídio, geralmente marcado por uma vertiginosa ascensão do número de suicídios que ocorrem em períodos de crises sociais (o desemprego, por exemplo) ou processos de transformações sociais (como a modernização).

Anne Frank e seu diário - Os relatos de uma vítima do holocausto nazista


Em 3 de abril de 1946, o mundo conheceu a tragédia de Anne Frank, que se tornou um dos símbolos do holocausto: artigo intitulado Kinderstem ("A voz de uma criança") publicado no jornal holandês Het Parool contava trechos do diário da menina que havia sido morta em campo de concentração.Anne nasceu na Alemanha em 1929. Seu verdadeiro nome era Annelies Marie, mas todos em sua família a chamavam carinhosamente de "Anne". Ela era a segunda filha do casal Otto e Edith Frank. Sua irmã, Margot, era quatro anos mais velha.O pai era um homem de negócios e um oficial condecorado que lutou no exército alemão durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1934, quando o nazismo fez aumentar as perseguições aos judeus na Alemanha, a família mudou-se para Amsterdã, na Holanda.As filhas do casal foram matriculadas em escolas locais, onde se saíram muito bem nos estudos: Margot demonstrava maior aptidão para matemática, enquanto Anne demonstrava maior interesse em leitura e redação.Em 1938, Otto Frank e um sócio, Hermann van Pels, fundaram uma empresa nova. O sócio também era um judeu que havia fugido com a família para a Holanda. Em 1939, a avó materna de Anne Frank veio morar com a família e permaneceu com eles até sua morte em janeiro de 1942.
Ocupação da HolandaEm maio de 1940, a Alemanha nazista invadiu e ocupou a Holanda. Sob a ocupação nazista, os judeus que viviam na Holanda passaram a ser alvo de leis segregacionistas. Crianças judias ficaram proibidas de estudar nas mesmas escolas onde estudavam crianças não-judias. Por causa dessa proibição, Anne e Margot tiveram que ser transferidas das escolas onde estudavam para um colégio judaico.No dia 12 de junho de 1942, quando completou 13 anos, Anne Frank ganhou de presente de seu pai um livro. Esse livro era o mesmo que estava na vitrine de uma loja em que ela e o pai passaram e que havia lhe chamado a atenção. Embora fosse um livro para autógrafos, Anne começou a usá-lo como diário quase que imediatamente.Nele, a jovem começou a registrar fatos corriqueiros na vida de qualquer adolescente. Pouco a pouco, Anne começou a registrar com freqüência cada vez maior as dificuldades enfrentadas pelos judeus por causa da ocupação nazista.
O esconderijoNo mês de julho de 1942, a família Frank recebeu a notícia de que seria obrigada a se mudar para um campo de trabalhos forçados. Para fugir desse destino, a família transferiu-se para um esconderijo no prédio onde funcionava o escritório do pai.Para deixar a impressão de que haviam fugido apressadamente, Anne e seus familiares deixaram o apartamento todo desarrumado. Além disso, o pai deixou um bilhete, tratava-se de uma pista falsa com o intuito de levar os nazistas a acreditarem que a família estava tentando viajar para a Suíça.O prédio comercial onde Anne e sua família se esconderam tinha dois andares, com escritórios, um moinho e depósitos de grãos. O esconderijo consistia em alguns cômodos num anexo que ficava nos fundos do prédio. Para disfarçar o esconderijo, uma estante de livros foi colocada na frente da porta que dava para o anexo.Na montagem do esconderijo, Otto Frank contou com a ajuda dos quatro funcionários em quem mais confiava: Victor Kugler, Johannes Kleiman, Miep Gies e Bep Voskuijl. Eles mais o pai de Johannes e o marido de Miep eram os únicos que sabiam da existência do esconderijo.
Vida clandestinaEssas pessoas mantinham os Frank informados com notícias da guerra e da perseguição dos nazistas aos judeus. Também os ajudavam trazendo comida que compravam no "mercado negro", tarefa que foi se tornando cada vez mais difícil e arriscada com o tempo. Os cidadãos não-judeus que ajudavam judeus a se esconderem corriam o risco de ser executados imediatamente pelos nazistas caso fossem descobertos.No final de julho daquele ano, outros judeus buscaram abrigo no mesmo esconderijo: a família van Pels, que era composta por Hermann, o sócio de Otto Frank, sua esposa, Auguste, e o filho Peter, um jovem de dezesseis anos.No começo, Anne não se interessou pelo tímido Peter por achá-lo desajeitado demais, mas depois mudou de opinião e ambos iniciaram um romance. Em novembro, um amigo judeu da família de Anne também passou a morar no esconderijo: o dentista Fritz Pfeffer. Como era de se esperar, com tantas pessoas vivendo juntas e em condições precárias, problemas de convivência começaram a surgir. Para piorar, estava cada vez mais difícil conseguir comida. Anne passava a maior parte do tempo escrevendo seu diário ou estudando. Todo dia, logo após o almoço, ela fazia atividades de matemática, línguas, história e outras matérias.Na manhã de 4 de agosto de 1944, a polícia nazista invadiu o esconderijo, cuja localização foi descoberta por um informante que jamais foi identificado. Todos os refugiados foram colocados em caminhões e levados para interrogatório. Victor Kugler e Johannes Kleiman também foram presos, ao contrário de Miep Gies e Bep Voskuijl, que foram liberados.Esses últimos voltaram ao esconderijo onde encontraram os papéis de Anne espalhados no chão e diversos álbuns com fotografias da família. Eles reuniram esse material e o guardaram na esperança de devolver à Anne depois que a guerra terminasse.
AuschwitzAnne Frank e sua família foram mandadas para o campo de Auschwitz, na Polônia. Mais do que um campo de concentração, era também um campo de extermínio. Idosos, crianças pequenas e todos aqueles que fossem considerados inaptos para o trabalho eram separados do demais para serem exterminados de imediato.Dos 1.019 prisioneiros transportados no trem que trouxe Anne Frank, 549 (incluindo crianças) foram separados dos demais para serem mortos nas câmaras de gás. Mulheres e homens eram separados. Assim, Otto Frank perdeu contato com a esposa e as filhas.Junto com as outras prisioneiras selecionadas para o trabalho forçado, Anne foi obrigada a ficar nua para ser "desinfetada", teve a cabeça raspada e um número de identificação tatuado no braço. Durante o dia, as prisioneiras eram obrigadas a trabalhar. À noite elas eram reunidas em barracas geladas e apertadas. As péssimas condições de higiene propiciavam aparecimento de doenças. Anne teve sua pele vitimada pela sarna. No dia 28 de outubro, Anne, Margot e a senhora van Pels foram transferidas para um outro campo, localizado em Bergen-Belsen, na Alemanha. A mãe, Edith, foi deixada para trás, permanecendo em Auschwitiz. Em março de 1945, uma epidemia de tifo se espalhou pelo campo de Bergen-Belsen.Estima-se que cerca de 17 mil pessoas morreram por causa da doença. Entre as vítimas estavam Margot e Anne, que morreu com apenas 15 anos de idade, poucos dias depois de sua irmã ter morrido. Seus corpos foram jogados numa pilha de cadáveres e então cremados.
O sobreviventeOtto Frank foi o único membro da família que sobreviveu e voltou para a Holanda. Ao ser libertado, soube que a esposa havia morrido e que as filhas haviam sido transferidas para Bergen-Belsen. Ele ainda tinha esperança de reencontrar as filhas vivas.Em julho de 1945, a Cruz Vermelha confirmou as mortes de Anne e Margot. Foi então que Miep Gies entregou para Otto Frank o diário que Anne havia escrito. Otto mostrou o diário à historiadora Annie Romein-Verschoor, que tentou sem sucesso publicá-lo. Ela o mostrou ao marido, o jornalista Jan Romein, que escreveu um texto sobre o diário de Anne.O diário foi finalmente publicado pela primeira vez em 1947.A obra teve tal sucesso, que os editores lançaram uma segunda tiragem em 1950. O "Diário de Anne Frank" foi traduzido para diversas línguas, com mais de 30 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. O livro que começou como um simples diário de adolescente transformou-se num comovente testemunho do तेर्रोर nazista

*Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de "Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula" (Editora Contexto)।

sábado, 22 de agosto de 2009

Filosofia pós-moderna - Michel Foucault


A genealogia dos micropoderes
José Renato Salatiel*Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Desde crianças, adoramos os super-heróis। Torcemos por eles e esperamos que derrotem os vilões। São narrativas importantes em nossas vidas, e nos ajudam a assimilar noções de bem e mal, certo e errado। Em geral, nos identificamos também como o mais fraco, que desafia o poder do mais forte, como o tímido e fraco Clark Kent, que usa seus poderes secretos, como Superman, para derrotar Lex Luthor। Afinal de contas, também somos fracos e o mundo, tão cruel, que não custa imaginar que temos algum tipo de superpoder para enfrentar os vilões que aparecem pelo caminho.Agora, imaginem a confusão de uma HQ (História em Quadrinhos) como Watchmen - cujo filme estréia em 2009 -, em que os super-heróis cuidam de sua própria vida, não têm mais uma "causa" pela qual lutar e, pior, alguns deles comportam-se como vilões! Escrita nos anos 80 por Alan Moore, o enredo é tipicamente pós-moderno. Em uma realidade fragmentada, com um cotidiano multifacetado e sem coesão, como agiriam os super-heróis? E como fica a questão do poder?Para responder a essas perguntas, vamos conhecer um pouco do pensamento de



Michel Foucault (1926-1984), um dos mais conhecidos e estudados filósofos franceses contemporâneos, sendo alinhado, por suas teorias, tanto entre os estruturalistas como entre os pós-estruturalistas ou pós-modernos. De sua obra, nos interessa discutir aqui apenas sua teoria do poder.
Poder no pluralAntes de Foucault, a teoria política concebia o poder como algo que uns tem, outros não, além de estar associado, mais comumente, à figura da Igreja ou do Estado. Toda teoria política clássica, de Maquiavel e os contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau) até Marx, discutia-se como legitimar o poder de uns poucos sobre muitos, e assim, manter (ou subverter, no caso de Marx) a ordem social.Foucault entende o poder não como um objeto natural, mas uma prática social expressa por um conjunto de relações. Temos que pensar o poder não como uma "coisa" que uns tem e outros não, como, por exemplo, o pai e o filho, o rei e seus súditos, o presidente e seus governados, etc., mas como uma relação que se exerce, que opera entre os pares: o filho que negocia com o pai, os súditos que reivindicam ao rei, os governados que usam dispositivos legais para fiscalizar o presidente, etc.Deste ponto de vista, poder não se restringe ao governo, mas espalha-se pela sociedade em um conjunto de práticas, a maioria delas essencial à manutenção do Estado. O poder é uma espécie de rede formada por mecanismos e dispositivos que se espraiam por todo cotidiano - uma rede da qual ninguém pode escapar. Ele molda nossos comportamentos, atitudes e discursos.Para descobrir como o poder funciona, Foucault vai usar o método genealógico, empregado por Nietzsche para contar a "história secreta" dos valores (ver o texto "Filosofia pós-moderna - Nietzsche"). Vamos ver alguns exemplos disso.
Corpos dóceisUma manifestação externa desses poderes que Foucault analisa diz respeito aos seus efeitos sobre nossos corpos, que ele chama de poder disciplinar e que caracterizou determinadas sociedades no século 20. Foucault argumenta que nenhum poder que fosse somente repressor poderia se sustentar por muito tempo, porque uma hora as pessoas iriam se rebelar. Portanto, seu segredo é que, ao mesmo tempo em que reprime, gera conhecimento e corpos produtivos para o trabalho.Era comum, e ainda é nos dias atuais, encontrarmos pátios escolares em que se formam filas com crianças para entrar nas salas de aula. Depois, na sala de aula, era preciso que as crianças controlassem suas vontades corporais (fome, vontade de fazer xixi, etc.) até que tocasse o sinal. Este é um exemplo da domesticação de corpos de que fala o filósofo.Mais tarde, na Igreja, no Exército e nas fábricas, esse indivíduo viveria a mesma rotina de adestramento corporal. O objetivo? Segundo Foucault, maximizar a utilidade econômica de nossos corpos, para o trabalho, e diminuir a força política e criativa, de contestação, que temos também, criaturas cheias de desejos que somos.Afinal de contas, imagine o que seria de uma sociedade, livre de mecanismos de poder, em que quiséssemos trabalhar ou estudar na hora em que desse na telha e resolvêssemos passar a maior parte do nosso tempo namorando, jogando futebol ou simplesmente não fazendo nada? E, para dar o exemplo para aqueles que são considerados corpos improdutivos para a sociedade, diz Foucault, foram criados asilos para os loucos e prisões para os ladrões. Desse encarceramento surgem áreas de conhecimento como a psiquiatria e a criminologia.Resistências locaisO ponto em que a teoria de poder de Foucault converge com o pós-modernismo é que, da mesma maneira que lidamos com o fim das visões totalizantes de mundo, o poder também se pulveriza em micropoderes. E, consequentemente, a resistência aos poderes passa a ser local, em ações cada vez mais regionalizadas.Não adianta investir contra o Estado, achando que ele é a causa de todos os males. Ele é apenas uma das representações desse poder que se exerce em uma série de mecanismos, que reproduzimos todos os dias sem ao menos nos darmos conta disso. Por exemplo, quando tratamos com autoritarismo nossos filhos, namoradas ou pais.E onde Foucault identifica estes focos de resistências locais aos poderes? Nos movimentos ativistas pelos direitos humanos, além de gays, negros, feministas, ecologistas e outras minorias que se organizaram como pólos de contra-poder, principalmente a partir da década de 1960, quando emerge o pós-modernismo.Neste nosso mundo pós-moderno, fica cada dia mais difícil saber quem é o vilão e quem é o mocinho. Os super-heróis estão cada vez mais humanos. Ou, como diria Nietzsche, demasiadamente humanos.
Sugestão de leituraFOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Editora Graal, 2007.
*José Renato Salatiel é jornalista e professor universitário.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Apartheid-Origem histórica da segregação racial na África do Sul






O termo apartheid significa "separação" ou "identidade separada". Serviu para designar o regime político da África do Sul que, durante décadas, impôs a dominação da minoria branca (ou aristocracia branca) sobre grupos pertencentes a outras etnias, compostos em sua maioria por negros.O apartheid não deve ser interpretado como simples "racismo", pois ele foi um sistema constitucional de segregação racial que abrangeu as esferas social, econômica e política da nação sul-africana estabelecendo critérios para diferenciar os grupos.A origem histórica do apartheid é bem antiga e remonta ao período da colonização da África do Sul. Os primeiros colonizadores bôeres (também denominados de afrikaner) compunham-se de grupos sociais europeus que vieram da Holanda, França e Alemanha e se estabeleceram no país nos séculos 17 e 18.
Ideologia nacionalistaEsses colonizadores dizimaram as populações autóctones (grupos tribais indígenas) e tomaram suas terras. Os líderes afrikaners manipularam e converteram um preceito religioso cristão, que a princípio estabelecia a segregação como uma forma de defender e preservar as populações tribais da influência dos brancos, em uma ideologia nacionalista que pregava a desigualdade e separação racial.Os afrikaners se consideravam a verdadeira e autêntica nação (ou volk, que em alemão significa povo). A cor e as características raciais determinaram o domínio da população branca sobre os demais grupos sociais e a imposição de uma estrutura de classe baseada no trabalho escravo.
Política racialNas regiões dominadas por eles estabeleceu-se uma política racial que diferenciou os europeus (população branca) dos africanos (que incluía todos os nativos não-brancos, também conhecidos por bantus). Até mesmo aqueles grupos sociais compostos por imigrantes asiáticos, em particular indianos, sofreram com a política de discriminação racial. Seria engano supor que a expansão do domínio dos afrikaners sobre a população não-branca da África do Sul foi um processo livre de conflitos. Pelo contrário, houve muitas guerras com as populações tribais que ofereceram resistência aos brancos, entre elas as tribos xhosa, zulu e shoto.No início do século 20, a África do Sul atravessou um intenso processo de modernização que intensificou os conflitos entre brancos e não-brancos. Não obstante, a minoria branca soube explorar os conflitos intertribais que afloravam entre os diferentes grupos étnicos e isso de certo modo facilitou a avanço e domínio dos afrikaners.




Auge e declínio do regime do Apartheid sul-africano




O apartheid foi estabelecido oficialmente na África do Sul em 1948 pelo Nationalist Party (Partido dos Nacionalistas) que ascendeu ao poder e bloqueou a política integracionista que vinha sendo praticada pelo governo central.O Nationalist Party representava os interesses das elites brancas, especificamente da minoria boere. Após 1948, o sistema de segregação racial atingiu o auge. Foram abolidos definitivamente alguns direitos políticos e sociais que ainda existiam em algumas províncias sul-africanas.As diferenças raciais foram juridicamente codificadas de modo a classificar a população de acordo com o grupo social a que pertenciam. A segregação assumiu enorme extensão permeando todos os espaços e relações sociais. Os casamentos entre brancos e negros foram proibidos.Os negros não podiam ocupar o mesmo transporte coletivo usado pelos brancos, não podiam residir no mesmo bairro e nem realizar o mesmo trabalho, entre outras restrições. Os brancos passaram a controlar cerca de 87% do território do país, o que sobrava se compunha de territórios independentes, mas paupérrimos, deixados aos grupos sociais não-brancos.
Declínio do apartheidO apartheid é o único caso histórico de um sistema onde a segregação racial assumiu uma dimensão institucional. Essa situação permite definir o governo sul-africano como uma ditadura da raça branca.Na década de 1970, o governo da África do Sul tentou em vão encontrar fórmulas que pudessem assegurar certa legitimidade internacional. Porém, tanto a ONU (Organização das Nações Unidas) como a Organização da Unidade Africana, votaram inúmeras resoluções condenando o regime.No transcurso dos anos 70, a África do Sul presenciou inúmeras e violentas revoltas sociais promovidas pela maioria negra, mas duramente reprimidas pela elite branca. Sob o governo de linha dura, liderado por Peter. W. Botha (1985-1988), tentou-se eliminar os opositores brancos ao governo e as revoltas raciais foram duramente reprimidas. Porém, as revoltas sociais se intensificaram bem como as pressões internacionais. Em 1989, Frederic. W. de Klerk, assumiu a presidência. Em 1990, o novo presidente conduz o regime sul-africano a uma mudança que põe fim ao apartheid. Neste mesmo ano, o líder negro Nelson Mandela, que desde 1964 cumpria pena de prisão perpétua, é posto em liberdade. Nas primeiras eleições livres, ocorridas em 1993, Mandela é eleito presidente da África do Sul e governa de 1994 a 1999.