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sexta-feira, 17 de junho de 2011

A História da Sexualidade 1 – Vontade de saber (Foucault)


Em seu primeiro volume da genealogia sobre a Historia da sexualidade, Foucault, Trata de questionar a sociedade que, desde o século passado, se maltrata pela sua hipocrisia
A Sociedade vive, desde o séc. XVIII, uma fase de repressão sexual. Nessa fase, o sexo se reduz à sua função reprodutora e o casal passa a ser o “modelo”. O que sobra torna-se “amor mal” – é expulso, negado e reduzido ao silêncio. Mas a sociedade burguesa se vê forçada a permitir algumas coisas. Ela restringe as sexualidades ilegítimas a lugares onde possam dar lucros – que, numa época em que o trabalho é muito explorado, as energias não podem ser dispensadas nos prazeres.
Para Foucault, O Incitamento ao Discurso Ao nível dos discursos e dos seus domínios, assiste-se a um fenômeno de incitamento ao discurso. É o poder que provoca este incitamento. Foucault fala-nos da Contra-Reforma que se esforça por acelerar o ritmo de confissão do povo. Tenta incutir regras de auto-exame, e deseja saber, em pormenor, o pecado dos pensamentos, desejos, imaginações e deleites da alma e do corpo, através do mecanismo da confissão. Impõe-se aqui como que uma coerção geral de incitamento ao discurso, um projeto de uma discursificação, que pressupõe a tarefa de se dizer a si próprio e de dizer a outro tudo o que se possa respeitar ao mecanismo dos prazeres, sensações, e pensamentos, que, através da alma e do corpo, têm qualquer afinidade com o sexo. O mesmo se passa na literatura, quando é escritos detalhadamente o escândalo dos atos consumados, as carícias sensuais, olhares impuros e palavras obscenas.Essa repressão é chamada por ele de hipótese repressiva, mas ele destrói esse pensamento e formula uma nova hipótese, mostrando que certas explicações funcionem, elas não podem ser encaradas como as únicas e verdadeiras.
A hipótese repressiva não pode ser contestada, já que serve para a sociedade atual. Para nós é gratificante formular, em termos de repressão, as relações de sexo e poder por muitos motivos. Primeiro porque, se o sexo é reprimido, o simples fato da repressão e falar do sexo ultrapassa todos os limites; afinal, aceitando a hipótese repressiva, se pode vincular revolução e prazer, se pode falar num período em que tudo vai ser bom: o da liberação sexual. Sexo, revelação da verdade, inversão da lei do mundo, são hoje coisas ligadas entre si. Mas insiste-se na hipótese repressiva, pois, dessa forma, tudo o que se diz sobre sexo ganha valor mercantil. Certos psicólogos, por exemplo, são pagos para “ouvirem falar da vida sexual dos outros”.
Essa “hipótese repressiva” vem acompanhada de uma forma de pregação: a afirmação de uma sexualidade reprimida é acompanhada de um discurso destinado a dizer a verdade sobre o sexo. Foucault, no livro, interroga a hipocrisia da sociedade. A questão é contra nós mesmos, que somos reprimidos. A partir daí, ele propõe uma série de questões: a repressão sexual é mesmo uma evidência histórica, como se afirma? Serão os meios que se utiliza e o poder repressivo o mesmo? Será que são formas discretas de poder?
Não é que ele diga que o sexo não vem sendo reprimido; ele afirma que essa interdição não é o elemento fundamental a partir do qual se pode escrever a historia do sexo, a partir da idade moderna. Ele coloca a hipótese repressiva numa economia geral a partir do séc. XVII. Mostra que todos os elementos negativos ligados ao sexo (proibição, repressão, etc.), têm função numa técnica de poder e numa vontade de saber.
. Nasce então por volta do século XVIII, um incitamento político, econômico, técnico, a que se fala do sexo: há um aumento constante e uma valorização cada vez maior do discurso sobre o sexo. Interessa, sobretudo, aos agentes de poder, a forma de análise, de contabilidade, de classificação e de especificação do sexo em formas de pesquisas. Não interessa somente formular sobre ele um discurso moral, mas de racionalidade.“Deve-se falar dele como de uma coisa que não se tem simplesmente que condenar ou tolerar, mas que gerir, que inserir em sistemas de utilidade, que regular para o bem de todos, que fazer funcionar em ordem a um óptimo. O sexo não se julga apenas, administra-se. Ele tem a ver com o poder público; exige processos de gestão; o sexo no século XVIII torna-se caso de polícia. Assim, o que interessa é tornar mais firme e aumentar pela sabedoria dos seus regulamentos o poder interior do estado. Há uma necessidade de regulamentar o sexo por discursos úteis e públicos. Há uma necessidade de uma política natalista e antinatalista da população. Através de uma economia política da população forma-se toda uma grelha de observações sobre o sexo. Entre o século XVIII e XIX, pode-se falar de outros centros de discurso sobre o sexo. A medicina e a psiquiatria por intermédio da classificação das doenças e perversões sexuais, a justiça penal na sua jurisdição de atentados, ultrajes e perversões, a política, a religião. Por todo o lado, procura-se proteger, separar, prevenir; em torno do sexo, eles irradiam os discursos, intensificando a consciência de um perigo incessante, que por sua vez relança o incitamento a que dele se fale. Interroga-se com sobriedade a sexualidade das crianças, a sexualidade dos loucos e dos criminosos. Questionam-se aqueles que não gostam do outro sexo, classifica-se os seus devaneios, as obsessões, as manias. Nem por isso deixam de ser condenadas, mas são “escutadas”.Esta nova caça às sexualidades periféricas acarreta uma incorporação nas perversões e uma especificação nova dos indivíduos A mecânica do poder que persegue toda esta variedade não pretende suprimi-la senão atribuindo-lhe uma realidade analítica, visível e permanente. Inaugura um princípio de classificação e de inteligibilidade, constitui-a como razão de ser e ordem natural da desordem. Por outras palavras, disseminando as personagens, pode semeá-las no real e de as incorporar no indivíduo. “Esta forma do poder exige, para se exercer, presenças constantes, atentas, curiosas; supõe proximidades; procede através de exames e de observações insistentes; requer uma troca de discursos, através de perguntas que vão extorquindo confissões e das confidências que ultrapassam as interrogações.
Ela implica uma aproximação física e um funcionamento das sensações intensas. O contacto desenfreado pelas formas do poder com os corpos e a sexualidade provocou em si o chamamento da sexualidade. Nasce aqui uma sensualização do poder e benefício de prazer, ao qual é conferida uma impulsão ao poder pelo seu próprio exercício. Por outras palavras, “o prazer difunde-se no poder que o persegue (…) prazer de exercer um poder que interroga, vigia, espreita, espia, rebusca, apalpa, traz à luz; e, do outro lado, prazer que se ateia por ter que escapar a esse poder, fugir-lhe enganá-lo ou mascará-lo”.Foucault chama a este jogo sexual as espirais perpétuas do poder e do prazer. Assim, desta forma, será necessário abandonar a hipótese segundo a qual as sociedades industriais modernas inauguraram acerca do sexo uma idade de repressão. Pois se verifica exatamente o inverso. A partir do século XVIII e século XIX até ao nosso século, nunca houve mais centros de poderes e jamais houve mais atenção manifesta, mais troca de informação, maior afinidade, maior curiosidade em relação ao sexo, maior laço de ligações, e sobretudo, maior entre cruzamento entre o prazer e o poder
Ele diz que foi o próprio poder que incitou essa proliferação de discursos, através da igreja, da escola, da família, do consultório médico. Essas instituições não visavam proibir ou reduzir a pratica sexual; visavam o controle do individuo e da população.
É suposto que deve-se falar de sexo, mas não apenas como uma coisa que a ser tolerada, mas a ser gerida e inserida para o bem de todos, fazê-lo funcionar. “O sexo não se julga apenas, mas adiministra-se”. Regula-se o sexo, mas não pela proibição, e sim por meio de discursos úteis, visando fortalecer e aumentar a potência do Estado como um todo.
Um exemplo prático dos motivos para se regular o sexo foi o surgimento da população como problema econômico e político, sendo necessário analisar a taxa de natalidade, a idade do casamento, a precocidade e a freqüência das relações sexuais, a maneira de torná-las fecundas ou estéreis e assim por diante.
Pela primeira vez, o dinheiro e o futuro da sociedade eram ligados à maneira como cada pessoa usava o seu sexo. O aumento dos discursos sobre sexo pode, então, ter visado produzir uma sexualidade economicamente útil.
Também passou a despertar as atenções de pedagogos e psiquiatras. Na pedagogia, há a elaboração de um discurso sobre o sexo das crianças; na psiquiatria, são estabelecidas as perversões sexuais. Ao assinalar os perigos, despertam-se as atenções em torno do sexo como um “perigo incessante” – o que incita cada vez mais o “falar sobre sexo”.
O exame médico, a investigação psiquiátrica, o relatório pedagógico, o controle familiar – que aparentemente visam apenas vigiar e reprimir essas sexualidades – funcionam, na verdade, como mecanismos de incitação: prazer e poder. “Prazer em exercer um poder que questiona, fiscaliza, espia, investiga, revela; prazer de escapar desse poder. Poder que se deixa invadir pelo prazer a que persegue. Poder que se afirma no prazer de mostrar-se, de escandalizar, de resistir”. Prazer e poder reforçam-se.
Dizendo poder, não quero significar “o poder”, como um conjunto de instituições e aparelhos que garantem a sujeição dos cidadãos num determinado estado. Também não entendo poder como um modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma de regra. Enfim, não entendo o poder como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre o outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma de lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais. Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas da sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais”. (FOUCAULT, 1993 pág. 88-89).
Pode-se afirmar, então, que um novo prazer surgiu: o de contar e o de ouvir.
Foucault constrói uma nova hipótese sobre a sexualidade humana. As sexualidades são socialmente construídas. Assim como a hipótese repressiva, é uma explicação que funciona. Cada um que aceite a verdade que lhe convém.

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