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segunda-feira, 28 de julho de 2008

“A dialética do esclarecimento: o olhar crítico sobre a história do homem.”




Introdução
Este trabalho tem por objetivo discutir alguns pontos da filosofia da história de dois autores da chamada Escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, que junto com outros pensadores foram responsáveis pela criação de um corpo teórico muito vasto e heterogêneo em ciências humanas, chamado tradicionalmente de Teoria Crítica da Sociedade. Estes dois autores, em conjunto com outros como, por exemplo, Herbert Marcuse, Erich Fromm, Friedrich Pollock, e Walter Benjamin – que não se manteve tão próximo ao Instituto como os outros e morreu prematuramente em 1940 –, dedicaram suas atividades, desde meados da década de 20, a pesquisas e publicações de ensaios, artigos e livros de temáticas díspares como sociologia, filosofia da história, estética, economia e filosofia da ciência, objetivando realizar uma crítica ampla e profunda das estruturas epistemológicas contemporâneas, e da organização da sociedade ocidental, incluindo análises sobre o capitalismo no século XX, a situação dos trabalhadores, a estrutura familiar na sociedade, estudos sobre música contemporânea, literatura ocidental e indústria cultural.
Estes diversos autores reuniram-se em torno da criação e fortalecimento do Instituto de Pesquisas Sociais (Institut für Sozialforschung) ligado a Universidade de Frankfurt, que já existia desde 1924 e fora criado com o intuito de realizar pesquisas sociais com um arcabouço teórico marxista. Após um período de estruturação, o Instituto deu sua guinada para o aprofundamento de sua produção teórica na década de 30, após a nomeação de Max Horkheimer, já parte da fileira de membros do Instituto, como diretor em 1931. Os artigos e ensaios de seus pesquisadores passaram a ser publicados na Zeitschrift für Sozialforschung, na qual em seus primeiros números já se firmava os caminhos a serem trilhados por seus membros, como, por exemplo, em ensaios sobre a crise do sistema econômico capitalista, ou sobre a dimensão psicológica da pesquisa social, em que autores como Horkheimer e Fromm utilizavam-se tantos dos pressupostos teóricos marxistas como da psicanálise freudiana, integração que irá perpetuar-se ao longo da produção teórica da maior parte dos membros do Instituto. Mesmo tratando-se de pensadores de origens acadêmicas e interesses tão distintos, “no pensamento da Escola de Frankfurt havia uma coerência essencial que influenciava praticamente todo seu trabalho e em áreas diferentes” e “inclusive quando se desenvolveram conflitos sobre alguns pontos (…), estes estavam articulados por um vocabulário comum e estavam embasados em um conjunto de pressupostos mais ou menos compartilhados”.
Neste trabalho serão analisadas apenas as primeiras discussões filosóficas conjuntas de Adorno e Horkheimer, que são mais aproximadas entre si, principalmente com a publicação da Dialética do Esclarecimento em 1944, de autoria de ambos, após o exílio do Instituto para Nova Iorque motivado pela perseguição político-ideológica e racial perpetuada pelo regime nazista na década anterior.
Cabe ressaltar que os autores em questão não possuem uma filosofia da história bem delimitada, e nem se propuseram a discutir essa questão, mas tratam do tema e de seus conceitos ao longo de seus ensaios, principalmente no primeiro estudo desta obra conjunta, o “Conceito de Esclarecimento” e no fragmento filosófico “Para uma crítica da filosofia da história”, da seção “Notas e Esboços” da obra.
A intenção deste trabalho é tentar expor a maneira pela qual estes dois autores entendem o desenvolvimento das idéias de esclarecimento e progresso no ocidente, que tradicionalmente fazem parte de concepções modernas da história que enxergam uma espécie de melhora das condições da humanidade, a existência de uma idéia perfectibilidade humana, e a ampliação ao longo dos séculos de nossa liberdade em relação ao mundo, idéia a qual é criticado fortemente por ambos.
Muito já se foi escritos sobre os chamados frankfurtianos, mas neste trabalho foi utilizado como obra complementar para a análise o livro Os arcanos do inteiramente outro de Olgária Matos, uma extensa tese de doutoramento que discute os conceitos de razão e história desta escola, tão discutidos por seus membros, principalmente nas obras de Benjamin, Adorno, Horkheimer e Marcuse. A autora parte das análises, feitas por Benjamin, sobre os conceitos de história a partir da literatura alemã romântica e barroca; passando, em seguida, sobre a discussão de Adorno e Horkheimer sobre o Esclarecimento e o Iluminismo; e finaliza com uma discussão sobre as perspectivas desses autores que antes de apenas analisarem nossa sociedade ocidental contemporânea, tentaram criar uma filosofia social crítica. Olgária Matos realizou uma ampla pesquisa acerca das origens do pensamento frankfurtiano, analisando as relações dos autores com as obras de Hegel, Nietzsche, Marx, e sua crítica e reencontro com Kant. Para este trabalho, entretanto, será utilizado apenas o que a autora se referiu na temática da filosofia da história pela Escola de Frankfurt, para não se estender em demasia sobre assuntos não concernentes à temática.
A análise do esclarecimento e do chamado progresso do pensamento humano.
Os autores analisados neste trabalho, em sua produção conjunta Dialética do Esclarecimento, traçam certa análise do desenvolvimento do esclarecimento na sociedade ocidental, desde os primórdios de seu surgimento, o qual eles situam na passagem da mitologia para a narrativa epopéica. Este período de surgimento do esclarecimento não se trata do mesmo pelo qual a maioria dos autores contemporâneos costuma defini-lo, ou seja, o período iluminista do final do século XVIII. É nesse século que Kant e outros pensadores lançam as bases da racionalidade ocidental - que havia dado seus primeiros passos com os modernos -, assim como os ideais de libertação política das antigas amarras do que os iluministas consideravam a ignorância do obscurantismo religioso e do Antigo Regime encontram luz com as Revoluções Francesa e Americana. Esse esclarecimento setecentista encontra suas melhores definições em Kant, que o define como “a saída do homem de sua menoridade, da qual é o próprio culpado” – enquanto que “a menoridade é a incapacidade de se servir de seu entendimento sem a direção de outrem”. Como os próprios autores definem na Dialética, esta saída kantiana da menoridade se dá por meio da racionalidade.
Mas eles buscam as origens do esclarecimento de outra maneira, procurando estendê-la não aos anos do Iluminismo, mas muito antes, na origem da civilização, e têm como objetivo principal entender sua dialética intrínseca, que une os conceitos de libertação e iluminação, os quais sempre propagaram os pensadores iluministas, com o conceito de dominação – fazendo, deste modo, uma crítica ao conceito tradicional de esclarecimento. A primeira sentença do “Conceito de Esclarecimento”, primeira parte da Dialética, já define a crítica, pois para eles “no sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal”.
Horkheimer e Adorno, assim como Nietzsche havia feito, voltam à Antigüidade clássica para encontrar as origens do “desencantamento” do mundo, a principal característica do esclarecimento, ao invés de se ater apenas na Ilustração e nas revoluções modernas, procurando deste modo empregar um conceito muito mais amplo e profundo de esclarecimento. Esse processo de desencantar o mundo da obscuridade da magia, dos mitos, e da imaginação, e substituí-los pela razão e o saber deve, para tanto, praticar uma violência contra a natureza, dominá-la, para, de acordo com seu próprio programa, libertar os homens, colocando-os no lugar de senhores do mundo. Mas somente o “pensamento que se faz violência a si mesmo é suficientemente duro para destruir os mitos”. Assim que se coloca, portanto para Adorno e Horkheimer, que em conjunto com este processo de dominação da natureza das coisas, do objeto, em prol de uma libertação do sujeito, há um processo de dominação do próprio sujeito. Processo esse que não encontra nenhuma barreira, o que une a busca pela autoconservação, de libertação, a um caminho de autodestruição da própria humanidade esclarecida.
Para Adorno e Horkheimer, devemos buscar as origens desse processo no momento histórico em que se dá a transição entre o mito e o saber, o momento primeiro do desencantamento do mundo, que buscou destruir o animismo mitológico e as antigas tradições. Os autores percebem que a Odisséia de Homero mantém uma grande carga simbólica desse momento, presente na trajetória de Ulisses, o herói astucioso que foge de todos os perigos impostos pelos deuses, a natureza e seus monstros e espíritos, em direção a libertação promovida por sua própria razão, uma espécie de trajetória da racionalidade que impõe o sujeito em oposição ao objeto por meio da dominação do primeiro ao segundo. É por meio dos exemplos tirados da viagem de Ulisses, dos cantos da Odisséia, que os autores exemplificam o caminho traçado pela própria razão na história. A escolha da Odisséia também se insere na idéia de que o mito entre os gregos, assim como outros povos, também já era esclarecimento, pois vemos na Dialética que a passagem do mito primitivo ao mito patriarcal, com o estabelecimento da hierarquia olímpica já continha estes primeiros elementos de dominação.
O rito e a magia transformaram-se em doutrina religiosa, “capturados pelo logos filosófico”. “Os mitos, como os encontraram os poetas trágicos, já se encontram sob o signo (…)” do esclarecimento. “O lugar dos espíritos e demônios locais foi tomado pelo céu e sua hierarquia; o lugar das práticas de conjuração do feiticeiro e da tribo, pelo sacrifício bem dosado e pelo trabalho servil mediado pelo comando”.
As origens desse desejo de libertar o homem, opô-lo a natureza, encontram-se, de acordo com a análise de Olgária Matos da Dialética, na angústia que sofre o eu em sua busca pela autoconservação. Os autores são claramente inspirados por Hegel, que já havia traçado o que para ele se tratava da trajetória do espírito universal em sua Fenomenologia, quando o espírito deve atravessar os caminhos sofridos da autoconsciência, que se afirma como consciência-em-si em oposição às outras consciências. “A idéia da existência de algo estranho, da existência de um outro de si mesmo é a fonte da angústia; com isto, o homem se ilude acreditando liberar-se do medo quando não existir mais nada de desconhecido, quando nada permanecer fora da possibilidade de ser redutível ao seu poder. É isso que determina o trajeto da desmitologização”. É neste ponto que surge a subjetivação da razão, que crê ter se desprendido do objeto, da natureza – e assim a dominado – e atingindo a libertação do homem, que se coloca como senhor do mundo; a ideologia por trás do esclarecimento.
Essa primeira relação do homem com natureza se dá nas “cosmologias pré-socráticas”, que “fixam o instante da transição” entre mito e esclarecimento. Essas cosmologias primitivas e animistas que marcam a vida como matéria e espírito indissociáveis continham a identificação do homem com o seu redor, representada pelos espíritos e elementos – o “meio, de que serviam os homens, no ritual mágico, para tentar influenciar a natureza”. Os homens por meio da magia tentam dominar a natureza pela “mimese”, como quando o sacerdote se utiliza de máscaras para espantar os espíritos, cada máscara para cada espírito, identificando-se com a natureza. “O que acontece à lança do inimigo, à sua cabeleira, a seu nome, afeta ao mesmo tempo a pessoa.” O esclarecimento surge com o processo de desencantar das coisas, no qual deve vencer a superstição e imperar sobre o mundo ao redor. “Doravante, a matéria deve ser dominada sem o recurso ilusório a forças soberanas ou imanentes, sem a ilusão de qualidades ocultas.” A razão deve dominar o outro não por mimese, essa identificação direta com a natureza, mas pela sua abstração e a separação do sujeito do objeto. Para o esclarecimento isso que ele define como projeção do subjetivo no natural, realizada por meio da crença nos espíritos, é o medo que rege a vida dos homens, o qual deve ser extinto, para o bem da libertação dos homens. A natureza é então transformada em mera objetividade sem sentido, separado do sujeito, doador de todo o sentido. A antiga ligação entre as coisas, a pessoa e seu nome ou objeto, por exemplo, é negada e surge a “onipotência dos pensamentos”, os pensamentos tornados “autônomos em face dos objetos”. O eu procura sua autoconservação, esse que é o medo imemorial de se perder, perder o próprio eu.
Olgária Matos analisando a Dialética afirma que “tanto a mitologia quanto o Iluminismo encontram suas raízes nas mesmas necessidades básicas: sobrevivência, autoconservação e medo”, o medo de se perder é que gera a volta do eu para si mesmo, esse primeiro passo em direção à negação do outro, e o “recolhimento egocêntrico” em si mesmo.
O esclarecimento ao pensar-se livre do que o prendia à natureza, não encontra, portanto, nenhum limite, sua própria potência não vê outro do que um horizonte infinito para si, ao mesmo tempo em que os autores estabelecem um fim possível para essa falta de limite na “calamidade triunfal”. Esta é a ideologia por trás do esclarecimento, quando os homens pensam que esclarecidos estão libertos da natureza, tanto exterior como interior, quando na verdade não o estão. Esta “cegueira” se dá pelo desejo de autoconservação, na qual estão presentes os elementos de autodestruição. A violência contra o outro é violência contra si, e o esclarecimento não é outra coisa além de mito, assim como o mito já continha elementos de esclarecimento. A natureza, o outro, se trata tanto daquilo que não sou eu, como do que está dentro de mim e não controlo. O homem esclarecido é aquele que crê ter se libertado da prisão da natureza, do mito o qual o mantinha preso a “entidades ontológicas” e também dos instintos, o que há dentro de si que não se pode controlar. “O eu que, após o extermínio metódico de todos os vestígios naturais como algo de mitológico, não queria mais ser nem corpo, nem sangue, nem alma e nem mesmo um eu natural, constituiu, sublimado num sujeito transcendental ou lógico, o ponto de referência da razão, a instância legisladora da ação. Segundo o juízo do esclarecimento (…) quem se abandona imediatamente à vida sem relação racional com a autoconservação regride à pré-história. O instinto enquanto tal seria tão mítico quanto a superstição (…)”.Dominação, portanto, não se trata apenas da dominação da natureza física, mas de tudo aquilo considerado por uma subjetivação exacerbada como o outro passível de dominação.
Em uma passagem que resume esse processo da civilização, dizem que “nos momentos decisivos da civilização ocidental, da transição para a religião olímpica ao renascimento, à reforma e ao ateísmo burguês, todas as vezes que novos povos e camadas sociais recalcavam o mito, de maneira mais decidida, o medo da natureza não compreendida e ameaçadora – conseqüência de sua própria materialização e objetualização – era degradado em superstição animista, e a dominação da natureza interna e externa tornava-se o fim absoluto da vida. (…) Os homens sempre tiveram de escolher entre submeter-se à natureza ou submeter a natureza ao eu. (…) Forçado pela dominação, o trabalho humano tendeu sempre a se afastar do mito, voltando a cair sob o seu influxo, levado pela mesma dominação”.
Adorno e Horkheimer fazem, portanto, uma história não dos fatos e acontecimentos dos homens, a história política tradicional, das guerras e das grandes personalidades, e nem mesmo fazem uma história materialista tradicional, como Marx havia exposto, por exemplo, em sua obra A Ideologia Alemã, sobre a trajetória dos modos de produção; fazem ao invés disso uma espécie de reconstrução de um momento sem determinação cronológica certa na história antiga da civilização, utilizando-se de uma epopéia da época, a Odisséia, para retirar exemplos. Os autores nesta época ainda têm um olhar guiado pelo materialismo histórico e suas premissas, mas suas obras mostram um interesse conjunto em entender o problema da dominação que se esconde por detrás da ideologia por outros caminhos analíticos, como o estudo da cultura, e as análises psicanalíticas do inconsciente dos homens e da sociedade – ainda à luz da perspectiva sócio-histórica e tendo em mente a emancipação do mundo.
Os autores na Dialética fazem uso de grande quantidade de fontes de antropologia e história, como pode ser visto com um olhar mais acurado em sua Bibliografia, mas não fazem eles próprios uma análise nesse sentido. Essa espécie de reconstituição filosófica do período primordial da humanidade que fizeram, já havia sido tentada antes deles por muitos outros, como Rousseau, por exemplo, mas eles agora tinham à sua disposição um vasto material de pesquisa histórica, arqueológica e antropológica. As expedições científicas européias para fora da Europa ocidental no final do século XIX e início do século XX tiveram por resultado diversas pesquisas sobre as culturas antigas na Grécia e no Oriente Próximo e as culturas ainda existentes de povos antes desconhecidos aos europeus, assim como novos achados e novas traduções de textos antigos, para não deixar de citar toda a nova análise psicanalítica que fez uso de exemplos buscados na mitologia para entender os fundamentos inconscientes da sociedade ocidental, lançando um novo olhar sobre essa espécie de bibliografia da Antigüidade.
Na Dialética, os autores ao invés de traçar uma sistematização geral, em seu desenvolvimento através de eras e períodos, buscam em alguns pontos-chave da história os elementos necessários para criar sua teoria dialética sobre o esclarecimento. Fazem uma história das idéias no ocidente, mas não de maneira sistemática, que procurasse traçar uma cronologia do desenrolar progressivo da idéia de esclarecimento na história, mas, pelo contrário, procuram discutir em forma de ensaio os conceitos e os exemplos, trabalhando a dialética inerente ao esclarecimento. Não fazem uma análise historicista, buscando dados para criar um modelo histórico generalizado sobre esse momento da humanidade, mas o analisam filosoficamente. Assim como Freud, que analisou o totemismo e os tabus das sociedades ditas primitivas para encontrar elementos de explicação sobre certos comportamentos infantis e em doentes mentais na atualidade, eles buscam os elementos desse momento primitivo para compreender o desenrolar desencantado da moderna história esclarecida.
A análise dos autores do esclarecimento se faz por meio de um olhar detalhado em obras literárias que funcionam como símbolos de diferentes instantes a este desenrolar. Em seu primeiro excurso analisam a epopéia homérica, o surgimento do processo de luta do esclarecimento contra a mitologia; enquanto que no segundo excurso, o fazem com as “crônicas escandalosas”, as obras dos “escritores sombrios da burguesia”, como Sade e Nietzsche.
Na análise da Odisséia os autores buscam encontrar os elementos do surgimento do esclarecimento em oposição ao mito, na trajetória descrita acima. Ulisses ao se aventurar pelos mares desconhecidos, perdido em sua volta para casa, teve que enfrentar todo o tipo de infortúnio. São muito ilustrativas as passagens que os autores analisam, nas quais apontam o que há de mais moderno nessa epopéia antiga, para depois mostrar a ancestralidade de muitas características modernas. Comparam Ulisses ao burguês moderno na passagem das Sereias, em que o herói tapa os ouvidos dos remadores com cera para que eles não ouçam o canto maravilhoso e caiam em perdição, enquanto pede para amarrá-lo no mastro, e assim poder ter um curto contato com a beleza do canto. “Amarrado, Ulisses assiste a um concerto, a escutar imóvel como os futuros freqüentadores de concertos”, enquanto que “alertas e concentrados, os trabalhadores têm de olhar para a frente e esquecer o que foi posto de lado”. “Assim a fruição artística e o trabalho manual já se separam na despedida do mundo pré-histórico. A epopéia já contém a teoria correta. O patrimônio cultural está em exata correlação com o trabalho comandado, e ambos se baseiam na inescapável compulsão à dominação social da natureza”. Falam também do surgimento da cultura ocidental patriarcal quando discorrem sobre a maga Circe e o papel da mulher na sociedade, entre outras análises com esse viés de comparação do moderno com o antigo.
Já Sade e Nietzsche escrevem em um momento distinto, quando já havia um alto nível de desenvolvimento da racionalidade moderna e os ideais políticos e econômicos característicos de nossa era encontravam a luz. Frente a essa situação, estes autores expuseram o espírito de seu tempo de maneira exagerada e considerada escandalosa. “O esclarecimento dos tempos modernos esteve desde o começo sob o signo da radicalidade: é isso que o distingue de toda etapa anterior da desmitologização. Quando uma nova forma de vida social surgia na história universal juntamente com uma nova religião e uma nova mentalidade, derrubavam-se os velhos deuses, juntamente com as velhas classes, tribos e povos”. As obras desses autores proferiram brutalmente a verdade chocante da situação ao seu redor com o intuito de apontar seu horror, ao contrário de todos os apologetas da burguesia, que para “distorcer as conseqüências do esclarecimento” recorreram “a doutrinas harmonizadoras”. Sade em suas obras “não deixou a cargo dos adversários a tarefa de levar o esclarecimento a se horrorizar consigo mesmo” e ao invés de escrever sobre as utopias políticas, ou a falsa idéia da sociedade harmoniosa, fez dele alguém que tentou salvar o esclarecimento, mostrando o que nele há de pior. “Pois a chronique scandaleuse de Justine e Juliette – que produzida em série, prefigurou no estilo do século dezoito o folhetim do século dezenove e a literatura de massas do século vinte – é a epopéia homérica liberada do último invólucro mitológico: a história do pensamento como órgão de dominação. Assustado com a própria imagem refletida no espelho, o pensamento abre uma perspectiva para o que está situado além dele”.
Os autores buscam explicitar nas análises dessas obras as características contraditórias inerentes ao esclarecimento, tanto as de autoconservação e libertação do homem como as de autodestruição e dominação, em toda sua trajetória através da história da civilização. Em uma frase do segundo excurso que resume a idéia, dizem Adorno e Horkheimer que “cada passo foi um progresso, uma etapa do esclarecimento. Mas, enquanto todas as mudanças anteriores (do pré-animismo à magia, da cultura matriarcal à patriarcal, do politeísmo dos escravocratas à hierarquia católica) colocavam novas mitologias, ainda que esclarecidas, no lugar das antigas (o deus dos exércitos no lugar da Grande Mãe, a adoração do cordeiro no lugar do totem), toda forma de devotamente que se considerava objetiva, fundamentada na coisa, dissipava-se à luz da razão esclarecida”.
Em sua tese, Olgária Matos trata a filosofia da história destes autores como sendo “trans-histórica”. “Observa-se, portanto, que a noção de Iluminismo é polissêmica entre os frankfurtianos, referindo-se tanto a um período da história da filosofia e das idéias, quanto a uma atitude ou tendência epistemológica, ética e política anterior e posterior ao século XVIII. O conceito é trans-histórico e funda-se no exame da origem e das formas de dominação”. O plano de desenvolvimento cronológico do conceito é outro, diferente do tradicional que situa as origens do esclarecimento na idade moderna, e de fato no período iluminista. “(…) cronologicamente aquém e além dessa modernidade datada, [o texto] encontra a atitude iluminista ali mesmo onde a idade moderna a negaria, isto é, no coração do mito (o passado), e ali mesmo onde a idade moderna não o reconheceria, isto é, no coração da ciência (o presente)” Ela reafirma a idéia de que os autores fazem uma história “subterrânea e invisível”, analisando o inconsciente por trás da história do homem e encontrando as origens dos termos do período ilustrado em um momento pré-ilustrado.
Outra análise que Olgária Matos faz da história na Dialética do esclarecimento, é a de que a visão da história para os autores está convertida em uma visão de “história natural”. Se história é o que os homens fazem mudar, natureza é o destino. “O iluminismo naturalizou a história”, pois em seu ímpeto violento para destruir o mito e a idéia de destino, o esclarecimento voltou “suas armas” para si mesmo. A idéia exposta aqui anteriormente de que o antigo já continha elementos do novo e o moderno é a continuação do antigo surge desse conceito de história. “A própria mitologia desfecha o processo sem fim do esclarecimento, no qual toda concepção teórica determinada acaba fatalmente por sucumbir a uma crítica arrasadora, a crítica de ser apenas uma crença, até que os próprios conceitos de (…) esclarecimento tenham se convertido em magia animista”. O esclarecimento como mito é a história do retorno do “sempre idêntico”, a “história natural”.
A idéia de Teoria Crítica dos autores está intimamente ligada a sua concepção de história. É importante lembrar que tomaram diversas posições em diferentes momentos de sua trajetória intelectual, mas ela é toda perpassada pela idéia de emancipação do homem.
“Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico” – o ‘perigo’ sendo o entregar-se às classes dominantes como seu mero instrumento, como afirma Benjamin na sexta de suas teses em Sobre o conceito da história. Diz, na sétima tese, que essa maneira de ver a história, esse historicismo, com sua indiferença, ao tentar buscar a verdade dos fatos, acaba por dar prioridade aos vencedores, estabelecendo com esses uma relação de empatia. São esses vencedores apontados pela história que têm como herdeiros todos os que dominam depois deles, até hoje. Nessa tese, Benjamin faz uso literário de uma imagem muito famosa dentre seus escritos, a do cortejo triunfal dos vencedores de todos os tempos, marchando por cima dos dominados, levando como despojos os bens culturais, sobre os quais o materialista deve refletir com horror, pois “nunca houve um monumento de cultura que não fosse também um monumento da barbárie”, assim como o “processo de transmissão da cultura” que perpetua essa incessante barbárie geração após geração.
Adorno e Horkheimer em sua obra, ao discutir o ser humano e o desenvolvimento de suas obras espirituais e materiais que culminaram em nosso mundo atual, realizam uma crítica dos conceitos puramente positivos de esclarecimento e progresso presentes nessa “história dos vencedores”. Os autores, em relação aos outros críticos do progresso, como os decadentistas ou os irracionalistas diferem deles neste aspecto. Não se trata de negar a razão ao entender toda a sua trajetória como uma de dominação. Fazer isto seria voltar a condição que encontra figura na passagem da Odisséia, em que Ulisses e seus marujos param na ilha dos comedores de lótus. Os habitantes passam o dia alimentando-se de lótus, completamente hipnotizados e entorpecidos pelo sabor divino da flor. Nesta ilha os homens eram felizes, comungados com a natureza, no ato de comer a lótus. “Uma vez comida a flor, os homens mergulham em uma relação harmoniosa com o seu meio. Mas a harmonia e a felicidade criadas não são frutos de um trabalho autoconsciente”. Adorno e Horkheimer ao fazerem sua crítica não a fazem em defesa de um irracionalismo contra racionalidade dominante; apontam os elementos que potencialmente levam à decadência a fim de prevê-los e não de modo resignado.
Sem entrar na questão do desenvolvimento das idéias destes autores ao longo de suas vidas, o conceito de história na época da Dialética, já continha elementos de uma revisão ao marxismo tradicional e sua concepção de história contendo um telos, a experiência histórica engendrada no proletariado e na perspectiva da Revolução como ponto de ruptura entre uma longa (pré-)história de dominação e luta de classes, e uma futura história utópica socialista. A idéia de emancipação é presente na concepção dos autores, mas como lembra Olgária Matos, citando Horkheimer, “a própria situação do proletariado não constitui nesta sociedade, a garantia do conhecimento correto”. Referindo-se aos autores, diz que “tais questionamentos [acerca da revisão do marxismo] não significam uma renúncia ao projeto emancipatório. Trata-se, ao contrário, de colocar a emancipação como problema, de acolher em sua indeterminação, desprovida de garantia, ‘as exigências de uma filosofia da liberdade’”. O pessimismo e as críticas generalizadas, característicos dos autores, não são resignação, mas um desejo de não deixar-se esquecer de todo o sofrimento vivido pelas gerações anteriores, sendo uma maneira de protestar contra toda essa “história dos vencedores”. “Para os frankfurtianos, a História é sinal de descontinuidade, seu processo está permanentemente em aberto.”. Os autores na época da Dialética fazem uma Filosofia da História em que a história “é vista como soma de sofrimentos sem nenhum sentido, de tal modo que a [Dialética do Esclarecimento] renuncia a uma história material como objeto de conhecimento; a história como correlato de uma teoria unitária, como algo que se constrói, é “o horror”: um mesmo conteúdo negativo se manifesta em uma multiplicidade enganadora de formas. O otimismo marxista negligencia o aspecto sombrio da história: não teme, segundo a conjuntura, apelar a uma racionalidade de tipo hegeliano, a uma concepção positivista de Ciência e mesmo a um ‘irracionalismo espontaneísta da violência’. A Teoria Crítica mantém-se à distância daquelas teorias que se aliam a uma técnica totalitária da tomada e da conservação do poder, isto é, recondução da dominação”.
A compreensão que eles fazem da história do homem e de sua racionalidade leva-os a defender a primazia do sujeito, e sua emancipação. A análise do esclarecimento como advindo dos primórdios da civilização cria um peso histórico sobre ele, do retorno milenar do horror, que não pode ser entendido de uma perspectiva marxista teleológica ou hegeliana progressista. O uso da violência com fins de criar uma sociedade utópica encerra em si a mesma potência autodestrutiva e sem limites do esclarecimento. O que a trajetória histórica do esclarecimento mostra é que com sua força de autodestruição, ao separar o objeto do sujeito a fim de dominá-lo, acabou causando o processo de extinção do próprio sujeito. A sociedade atual da administração total da vida produz uma massa de homens manipuláveis, sendo que o sujeito histórico e responsável está extinto – extinguindo-se a idéia de proletariado como sujeito histórico. O ímpeto revolucionário para criar uma sociedade totalmente controlada acaba por levar ao mesmo caminho de dominação, já que não se desliga da racionalidade moderna. Adorno e Horkheimer fazem, portanto, uma análise pessimista e crítica da sociedade, mas não abandonam o desejo otimista de ver a humanidade emancipada da própria dominação. Criam, portanto, um projeto que retoma certas características kantianas de eterna autocrítica da razão, diferente da idéia de Marx de conciliação da teoria e da práxis – visando em um futuro indeterminado uma construção autoconsciente dos homens de sua própria história, reconciliados com eles próprios e com a natureza. Uma análise mais correta a respeito desse projeto é indispensável sem uma análise dos textos posteriores à Dialética do Esclarecimento – o que não caberia pela proposta deste trabalho.
Conclui-se essa idéia com o último parágrafo do esboço de “Para uma crítica da filosofia da história”, presente na última seção da Dialética: “Visto que a história enquanto correlato de uma teoria unitária, como algo de construível, não é o bem, mas justamente o horror, o pensamento, na verdade é um elemento negativo. A esperança de uma melhoria das condições, na medida em que não é uma ilusão, funda-se menos na asseveração de que elas seriam as condições garantidas, estáveis e definitivas, do que precisamente na falta de respeito por tudo aquilo que está tão solidamente fundado no sofrimento geral. A paciência infinita, o impulso delicado e inextinguível que leva a criatura a buscar a expressão e a luz, que parece abrandar e apaziguar a si mesma a violência da evolução criadora, não prescreve, como as filosofias racionais da história, nenhuma práxis determinada como a práxis salvadora, nem sequer a não-resistência. O primeiro clarão da razão, que se anuncia nesse impulso e se reflete no pensamento recordante do homem, encontrará, mesmo em seu dia mais feliz, sua contradição insuperável: a fatalidade que a razão sozinha não consegue mudar”.
Bibliografia.
- ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max; Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2006.
- BENJAMIN, Walter; “Sobre o conceito da história” in: Obras escolhidas volume 1: Magia e Técnica, Arte e Política, São Paulo, Editora Brasiliense.
- JAY, Martin; La imaginación dialéctica: una historia de la Escuela de Frankfurt y el Instituto de Investigación social, Madrid, Taurus Ediciones, 1974.
- MATOS, Olgária C. F.; Os arcanos do inteiramente outro: a Escola de Frankfurt, a Melancolia e a Revolução, São Paulo, Editora Brasiliense, 1989.

terça-feira, 15 de julho de 2008

O que é Filosofia?


Filosofia é a capacidade de manter sempre em vista uma utopia que – como um horizonte – jamais será alcançada; mas que nos faz caminhar, ao invés de parar e ficar pastando feito cordeirinhos mansos à espera do abate.

As pessoas têm passatempos diferentes. Enquanto umas dedicam seu tempo livre a trabalhos manuais, outras praticam algum esporte, vão ao cinema, assistem tevê ou "navegam" na Internet. Há, também, as que gostam de ler – e, em se tratando de leitura, enquanto umas se entretêm com jornais ou revistas, outras preferem livros. Gosto não se discute. Se você se interessa pelas fofocas do mundo artístico, há quem se interesse por verbetes de alguma enciclopédia; se você acompanha todos os jogos de algum campeonato, precisa aceitar que há quem considere isso uma chatice.
Preferências pessoais à parte, será que existe alguma coisa que interesse a todos, sem exceção? Existem, sim, questões que deveriam interessar a todas as pessoas. E é sobre tais questões que trata este artigo.
Qual é a coisa mais importante da vida? Bem… A resposta depende daquele a quem a pergunta é formulada. Quem está com sede, responderá: “Água”. Quem está com fome: “Comida”. Quem vive ao relento: “Abrigo”. Quem está atolado em dívidas: “Dinheiro”.
“Saco vazio”, diz o ditado, “não pára em pé”. Mas, uma vez satisfeitas as nossas necessidades físicas, restará algo a satisfazer? Claro que sim! Uma vez satisfeito o corpo, vêm as necessidades da mente e suas perguntas inquietantes: “Quem somos?”, “De onde viemos?”, “Para aonde vamos?”, “Por que vivemos?”. Interessar-se por tais questões é tocar um problema que acompanha o ser humano desde sempre – e tentar ignorá-las é abdicar da condição humana, fazer-se refém de toda sorte de charlatões, transformar-se em coisa e ser consumido pelo fogo da vulgaridade.
O que é “certo”? O que é “errado”? Há algo de “absoluto” que sirva de referência às nossas ações? Ou será tudo “relativo”, dependendo de época e de lugar? Deus existe? Ou será que inventamos deuses e os fazemos portadores de nossas “verdades” e de nossos interesses? Perguntas assim sempre foram feitas, independentemente de tempo e de lugar. São perguntas que não querem calar! Perguntas que fazem de nós seres pensantes – e não, tão-somente, seres viventes. Perguntas que nos unem naquilo a que podemos dar o nome de “comunidade humana”. Perguntas que questionam – e sempre questionaram! – aquilo que está posto como “verdade” mas que não nos convém. Perguntas… filosóficas.
O que é Filosofia? Filosofia é a faculdade de manter viva a curiosidade da infância e a rebeldia da adolescência. Filósofos são como crianças que não cessam de se admirar (Platão) e de se espantar (Aristóteles) diante de um mundo que parece renascer novo a cada aurora. Filósofos são como adolescentes que não aceitam os limites impostos pelo “já pensado”, pelo “já dito” e pelo “já feito”. Filosofia é a capacidade de manter sempre em vista uma utopia que – como um horizonte – jamais será alcançada; mas que nos faz caminhar, ao invés de parar e ficar pastando feito cordeirinhos mansos à espera do abate.
Para um filósofo, a busca começa onde termina a busca daqueles que, como burros, andam em círculos perseguindo a cenoura que lhe é oferecida por aqueles que exploram seu trabalho. Filósofos sabem que as respostas jamais serão encontradas nos jornais, nas revistas, nos livros, na tevê ou na Internet – mas sabem que, como numa história policial, mesmo que um crime jamais seja solucionado, a solução existe e depende dos que persistem em buscá-la. Filosofia não é para quem espera acontecer: é para quem sabe e faz a hora.
“Para muitas pessoas”, escreve Jostein Gaarder em O mundo de Sofia, “o mundo é tão incompreensível quanto o coelhinho que um mágico tira de uma cartola que, há poucos instantes, estava vazia.” Mas uma coisa é sabermos que isso não passa de um truque de mágica; outra, bem diferente, é nos colocarmos no lugar do coelhinho e nos darmos conta de “que estamos fazendo parte de algo misterioso” que “gostaríamos de poder explicar”. Filósofos talvez sejam isso: “Bichinhos microscópicos que vivem na base dos pêlos do coelho” e que se erguem “a fim de poder olhar bem dentro dos olhos do grande mágico”.
Novo Hamburgo, 5 de agosto de 2005.
Esta página faz parte do sítio “Crônicas de Martinho Carlos Rost”.

René Descartes e o Penso logo Existo

Na França do século 17 viveu um pensador que tentou aplicar as leis da Matemática à Filosofia. O nome dele é René Descartes.


“Tudo o que pertence à Lógica. Porque a Matemática e a Lógica são conceitos quase inseparáveis. Ninguém sabe onde começa a Matemática e termina a Lógica, ou vice-versa”, .


“Eu tenho verdadeiro pavor a misticismo. Machismo, racismo, pornografia e superstição, porque é ilógico e traz prejuízo”


Foi no pensamento, que Descartes fundamentou a verdade que tanto buscava, quatro séculos atrás.
Descartes, além de filósofo, foi um grande matemático. Ele acreditava que a Natureza funciona como uma máquina. Tudo o que existe nela pode ser traduzido em equações.
“O Descartes foi uma pessoa que de certa forma trouxe a Natureza para o papel”, avalia o físico Marcelo Gleiser.
Mas, antes, o filósofo precisou encontrar um ponto de apoio firme.
Na busca por uma verdade tão simples e clara quanto uma conta de somar, ele procurou derrubar velhas crenças, falsas opiniões e impressões enganosas.
Um dia, sentado sozinho diante de uma lareira, Descartes começou a duvidar de tudo o que até então acreditava. Ele pensou: “Há algum tempo percebi que recebi muitas falsas opiniões como verdadeiras. Eu precisava tentar, uma vez em minha vida, me desfazer de todas as falsas opiniões. Até encontrar um ponto fixo, uma verdade.”
Descartes duvidou dos sentidos, do que podia ver e ouvir: “Como posso ter certeza de que estou aqui, sentado diante do fogo? Como posso ter certeza de que essas mãos são minhas? Os loucos chegam a acreditar que são reis. E quantas vezes eu sonhei que estava nessa cadeira, vestindo essa roupa? Mas, mesmo sonhando, devo admitir que dois mais dois são quatro, e que o quadrado tem quatro lados. Será que encontrei uma verdade? Mas e se um deus enganador, um gênio maligno colocou todas essas verdades em minha cabeça? Como posso ter certeza de que tudo isso não é um engano?”
Depois de derrubar todas as falsas impressões, Descartes chegou à seguinte conclusão: “Posso duvidar de tudo, mas tenho certeza de que estou aqui, pensando, duvidando. Sou uma coisa que duvida, que pensa. Penso, logo existo.”
Debaixo dos escombros, Descartes encontrou um ser que pensa, que usa a razão. A verdade não estava mais no saber dos grandes mestres. A razão era o único instrumento que o homem deveria utilizar para entender o mundo, a única coisa confiável. A partir daí, Descartes reconstruiu toda a sua visão do Universo. Isso representou uma revolução na história do pensamento.
Mas essa verdade encontrada por Descartes no processo de dúvida é tão segura quanto ele pensava? Será que o “eu” é um lugar firme e seguro, capaz de sustentar a verdade? Existe apenas um único “eu” – o “eu” que pensa?
“Eu acredito que não seja um eu só, sejam vários ‘eus’. A gente é um com a mãe, um com o filho, um com a namorada, um com o amigo, um no trabalho, outro no telefone. Então, temos que assumir essa multiplicidade. Eu acho que é mais real do que ficar procurando aquele ‘eu’ fixo, se perguntando ‘quem sou eu?’”, diz o músico Paulinho Moska.
Quem garante que a verdade imutável que Descartes tanto procurou também não era uma ilusão? É possível que a parte mais interessante de toda essa história não esteja na conclusão, e sim no caminho que o filósofo trilhou até ela. O caminho da dúvida.
“É fundamental você duvidar. Você só aprende quando você duvida. Afinal de contas, se a gente achasse que já soubesse tudo, a gente nunca ia aprender mais nada. Então, o fato de a gente duvidar das coisas é muito importante para que a gente possa aprender sobre o mundo”, diz o físico Marcelo Gleiser.

Espinosa e a alegria




Viviane Mosé




Para Espinosa, Deus não criou o mundo, ele é o mundo. Em outras palavras, tudo o que existe no mundo é Deus, que também pode ser pensado como a natureza, ou a substância infinita.Ao contrário da tradição filosófica, Espinosa não divide o mundo em dois. Para ele, tudo é um. Tanto os corpos como as almas, ou o pensamento, derivam de uma mesma substância, que se manifesta nos corpos de uma maneira e, nos espíritos, de outra. Mas nenhum é superior ao outro. Os dois manifestam a mesma coisa: a natureza, que ele chama de Deus.Da mesma forma, para ele, não existe bem e mal, mas bom e mau encontro. Para qualquer forma existente no mundo, há dois tipos básicos de encontro: um bom e um mau encontro de corpo, ou de alma.É da natureza do corpo, incluindo o corpo humano, afetar e ser afetado por outros corpos. Se o corpo que nos afeta se compõe com o nosso, a sua capacidade de agir se adiciona à nossa, e provoca um aumento de nossa potência. Isto é alegria.Um mau encontro é aquele em que um corpo que se relaciona com o nosso não combina com ele e tende a decompor, ou destruir, a relação do nosso corpo consigo mesmo, e com os outros, o que nos leva à diminuição e, conseqüentemente, à tristeza. O mesmo acontece com a alma.O afeto é, então, a potência de agir de um corpo. Quando a potência de agir aumenta, sinto alegria; e, quando diminui, sinto tristeza. Para ele, a única afeição é a alegria. Todos os outros afetos são derivações dela. A tristeza é somente ausência de alegria. O amor é a alegria acompanhada de uma causa exterior. Assim como o ódio é a ausência de alegria acompanhada de uma causa exterior.Por isso, enquanto nossos afetos estiverem à mercê dos encontros, ou de causas exteriores a nós, seremos marcados pela impotência, porque isso nos impede de agir. O que Espinosa chama de afetos ativos ou ações, supõe que estejamos de posse de nossa capacidade de agir. É aí que entra a alma ou o espírito.Se tanto a alma quanto o corpo manifestam a natureza, que é Deus, então uma idéia adequada é capaz de ordenar uma paixão inadequada. Uma paixão deixa de ser uma paixão e se torna uma ação tão logo tenhamos dela uma idéia clara e distinta. Portanto, a idéia não deve afastar as paixões – ao contrário, deve permitir que se manifestem como ação. O pensamento serve para permitir a alegria.A alegria, segundo Espinosa, não precisa de uma causa exterior, muito menos de uma causa. O motivo da alegria, quando existe, é apenas um impulsionador, que nos leva a uma experiência muito maior: a potência de viver. Toda alegria é alegria de viver.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Resenha_Memórias de minhas putas tristes


Memória das Minhas Putas Tristes conta a história de um velho jornalista de noventa anos que deseja festejar a sua longa existência de prostitutas, livros e crónicas com uma noite de amor com uma jovem virgem. Inspirado no romance "A Casa das Belas Adormecidas" do Nobel japonês Yasunari Kawabata, o consagrado escritor colombiano submerge-nos, num texto pleno de metáforas, nos amores e desamores de um solitário e sonhador ancião que nunca se deitou com uma mulher sem lhe pagar e nunca imaginou que encontraria assim o verdadeiro amor. Rosa Cabarcas, a dona de um prostíbulo, conduzi-lo-á à adolescente com quem aprenderá que para o amor não há tempo nem idade e que um velho pode morrer de amor em vez de velhice. A escrita incomparável de Gabriel García Márquez num romance que é ao mesmo tempo uma reflexão sobre a velhice e a celebração das alegrias da paixão.




__O livro memória de minhas putas triste nos revela como é supera as dificuldades de velhice e como essa fase de vida pode nos trazer grandes surpresas, o livro que é um romance, que pode se confundido com uma autobiografia, narrar a história de um velho jornalista e professor de gramática castelhana e latim aposentado de alunos tão desinteressados e perdidos quanto ele, o personagem principal sempre é tratado na primeira pessoa e cujo nome não é em nenhum momento revelado, que se apaixona pela primeira vez aos noventa anos de idade e descobre os prazeres vida novamente. Resolve se dar de presente de aniversário uma noite com uma jovem menina virgem, ele não queria apenas mais uma das varias mulheres promíscuas que passaram por sua vida, mas aquela que cheirasse a pureza de nunca ter sido tocada.

Incumbido a tarefa de acha essa jovem à Rosa Cabarcas que é uma espécie de prostituta-mor, dona de uma casa clandestina de prostituição, ao redor da cidade; uma adolescente 14 anos que precisa criar os irmãos e terminar de criar-se, desperta a chama do amor do velho cronista do El Diário de La Paz. A descoberta da paixão É uma sensação nova e encantadora para ele e ao mesmo tempo assustador. Uma vontade o faz que derrubar qualquer norma de comportamento imposto pela sociedade aos que já são visto como improdutivos em seus anseios pelo prazer. Mas viver de maneira intensa esse sentimento é que é o grande prazer da vida. Experimenta todas as emoções que causar tanto atordoamento aos corações apaixonados e suas conseqüências. Conseguir sobreviver a tudo isso, a toda essa dor física da paixão, à dor da dúvida, à dor da incerteza de saber se existirá um futuro ou não.
Quando descobrimos o amor, seja em qualquer época ou idade, faz com que tudo que não seja ele mesmo perca temporariamente o valor. Para quem está apaixonado, nada mais existe é tão importante do que o seu sentimento. E isso o autor desse romance nos mostra bem isso, as visitas que fazia a ela no bordel despertaram nesse homem as mais diferentes emoções em relação ao sexo oposto e, principalmente, à vida. Tudo passa a ter um novo sentido; se encantava em vê-la dormir e sonhar e pela manhã deixava dinheiro debaixo do seu travesseiro, sua vida que antes era monótona e solitária onde Vivia na mesma e ampla casa dos seus pais, agora tem uma nova motivação de viver, até suas publicações semanais no jornal local passa a chamar a atenção de todos, nessa cidade que nem nome tem, mais que fica na Colômbia.

Esse romance de Gabriel García Márquez traz consigo uma reflexão sobre o que é a velhice, como o amor está disponível para todos independente da idade ou cor e que também nos que hoje estamos jovem não precisamos espera os noventa anos, isso que chegamos lá para ser parti em busca da felicidade, fique curioso pelo fato desse livro ser tão prestigiado mesmo numa época em que o combate ao crime de pedofilia passa a ser denunciado e punido em todo o mundo, já que a menina só tem 14 anos e ele 90.

terça-feira, 27 de maio de 2008

INICIAÇÃO FILOSÓFICA


Autor: KARL JASPERS


Karl Theodor Jaspers (Oldenburg, 23 de fevereiro de 1883 - Basiléia, 26 de fevereiro de 1969) foi um filósofo e psiquiatra alemão;Estudou medicina e, depois de trabalhar no hospital psiquiátrico da Universidade de Heidelberg, tornou-se professor de psicologia da Faculdade de Letras dessa instituição. Desligado de seu cargo pelo regime nazista em 1937, foi readmitido em 1945 e, três anos depois, passou a lecionar filosofia na Universidade de Basel
“Tendo como principal tema à preocupação com o homem e sua própria existência, e sendo um dos mais importantes existencialistas alemães, jaspers considera o homem algo acessível com caráter dualista por ser ao mesmo tempo o objeto a ser estudado e um ser existencial sem explicação acessível”, o homem é um ser incompleto e que jamais se completará... Estando sempre pronto para os novos desafios...”.
Acredita que no momento que homem tomar consciência de sua liberdade, onde passa a ter o direito de decidir sobre sua vida e assumindo a responsabilidade de não cercear a liberdade do outro, que na medida em que se conhece e determina sua liberdade, o homem se sujeita à lei da natureza porque pensa que sua liberdade é fruto de uma doação divina, assim mesmo o homem exercendo uma relação anterior a Deus, onde sua existência é o fator principal na crença da existência de Deus, Karl jaspers discuti essas e outras questões na sexta parte de sua iniciação filosófica sobre o tema: o que é o homem?
Desde dos filósofos pré-socráticos tinham como objetivo a busca do princípio único, o arché de todas as coisas. As suas especulações voltavam-se para o Universo e o Cosmo. Posteriormente surgiu Sócrates, que passou a inquirir sobre o próprio homem, no sentido de compreender o seu íntimo e o móvel de suas ações. O conhece-te a ti mesmo ou a autoconsciência do homem é o seu método de estudo. Depois disso, os filósofos nunca mais pararam de questionar sobre o homem e sua função na sociedade. A filosofia, doravante tornou-se antropocêntrica, ou seja, colocou o homem no seu centro de discussão.
“A filosofia e o acto da concentração pelo qual o homem se torna autenticamente no que é e participa na realidade” (Jaspers).
Essa compreensão da vida e do mundo feita por jaspers abre caminho em seu pensamento especulativo sobre o a existência do homem.
Karl Jaspers, em sua obra Iniciação Filosófica, escreveu que "filosofar é estar a caminho", Estar a caminho não significa vagabundear, andar sem nexo, em ziguezigues. Estar a caminho não é sinônimo de desorientação, de falta de rumo. Karl Jaspers insiste na importância da questionação e na necessidade de estarem abertas a novas perspectivas, a novas formas de olhar. Insistamos também nós no facto de o filósofo se recusar a ficar cristalizado e a sedentarizar o pensamento. O filósofo é o que procura e não o que descansa depois da descoberta, o filósofo é o insatisfeito e não aquele que se acomoda a uma teoria ou a um sistema de explicação das coisas. Estar a caminho significa não se deixar adormecer nas pequenas ou grandes certezas, permanecer de espírito aberto e crítico, estar alerta. Estar a caminho é adotar uma postura de atenção e de precaução.
O filósofo é-o porque recusa tudo o que o paralise e o deixe inerte e adormecido. Estar a caminho é a sua forma de estar e de ser o homem como está em constaste estado de aprendizagem, sobre a sua liberdade, sobre a verdade e sobre a justiça; podemos perscrutar e elaborar análises sobre os mais variados temas; podemos tentar apreender o que é o bem e o que é mal. Contudo, no fundo de tudo isto está o homem. Diante desta colocação filosófica, pergunta-se: Que é o homem? Qual sua função? Qual sua natureza? E seu destino?
A filosofia que sempre sofreu e sofre inúmeros ataques por parte das correntes religiosas que alega que essas perguntas afastam o homem de Deus, que era uma sedução profana e corrompe a alma do homem com futilidades, não pode se deixa cala diante das criticas e ameaças, sendo de total responsabilidade dela o encontro do homem com ele mesmo.
O homem, para viver melhor, deve também se colocar no lugar do "outro", O homem como possibilidade aberta. O homem é "o animal não definido" (Nietzsche), o que deve significar: Os animais realizam sua vida em trilhas pré-designadas, uma geração tal qual a outra, Mas o homem não é forçado a uma trilha definitiva fatal, capaz de transformações infinitas. Ao passo que os animais vivem seguros em sua existência; O homem na luta consigo mesmo. O fato de o homem, não ser um ser definido, que só realiza unicamente um processo já antes predestinado, sim, uma luta radical a partir de suas origens numa série de passos no percurso de toda vida, onde o fato de existir não é apenas um acontecer natural, mais uma dualidade de coisas: substância e forma, interioridade e exterioridade, vontade individual vontade coletiva; esta última, na tensão entre vontade humana e vontade social, sujeito e objeto, si-mesmo, corpo e mente e vida e morte; realizando assim uma estrutura de auto-esclarecimento; assim chegando, por fim, a uma consciência verdadeira de sua humanidade.
Dentro ainda da discussão sobre a liberdade existencial do homem, certo da sua vontade como um ser independente as leis da natureza, muitas das vezes o homem se ver uma posição passiva quanto a isto, passando acreditar que sua liberdade está sobre orientação divina, assim abrindo espaço para formação de inúmeras especulações, entre as varias perguntas levantada por Karl jaspers à questão se “o homem pode viver sob a orientação de Deus?...” nos mostra um pensador "cabeça quente", é verdade que a transcendência é uma das questões chaves do homem, este que é irrequieto e angustioso, e durante séculos viveu às amarras do mito, mas que após descobrir a sua existência enquanto ser pensante e pleno de sua vontade usou a transcendência natural em benefício à transcendência própria. Surgiu o ser em si e diversas dúvidas existenciais sobre este 'eu’, só e largado por Deus.Jaspers demonstra-se muito parcimonioso da palavra, apesar de se demonstrar um humanista ou no mínimo um adepto de Schopenhauer em algumas linhas, mas no fim terminam o texto com uma retomada a transcendência intuitiva Kantiana e as idéias do ser-em-si.

terça-feira, 20 de maio de 2008

VIGIAR PARA PUNIR:


OS PROCESSOS-CRIME DE TERMOS DE BEM VIVER

No novo modelo de político imperial os governos central e regional, apossados e amparados pelo aparelho de Estado cria no Brasil um modelo de Nação baseado nos favores entre essa camada abastada e a nobreza. Restando à pobreza a sua inclusão por meios de táticas e estratégias muitas vezes caras a si próprios, mas, sobretudo vemos uma característica do Estado-Nação em inserir os pobres no modelo de nação por meio de mecanismos jurídico/policial estranhos a eles, uma vez que sem cidadania alguma tinham que preencher os requisitos exigidos pelo Código Criminal e pelo Código de Posturas, tendo na polícia o seu aparelho vigilante.
Por meio da via jurídico-penal, a elite imperial do Brasil esforça-se para recrutar parte da população livre pobre demonstrando, o esforço de um Estado que procura inserir essa parcela bastante significativa, no emergente modelo de Nação, recém inaugurado após a ruptura política com Portugal. De repente o mundo jurídico penal que estava estratificado no período colonial emerge com o despontar do império. Esse é o desejo da elite que toma posse do aparelho judiciário e impõe no país o anseio de uma Nação representativa que negue o passado colonial Para isso a elite política[1][1][iii] (re) organiza o Estado e a partir dele procura implantar um aparelho jurídico policial, estranho à própria população.
Os processos por termo de bem viver[1][1][iv], ilustra esse esforço das “elites” que se pensado nesse contexto específico do Código do Processo em 1832, reflete uma situação de estatização dos conflitos cotidianos por meio dos quais o Estado procura incorporar as tradições, assimilar as virtudes e registrar os comportamentos dos pobres. Temos de certa forma um Estado procurando, de uma hora para outra, implantar a idéia de Nação, adequar a vida tradicional recém emersa de um sistema colonial centralizado para um Império da jurisdição, com seus direitos e deveres.
Passa-se após 1830, a processar condutas até então toleráveis. O direito que agora surge constrói o “criminoso” por meio das suas práticas discursivas e para que haja a devida punição. Foucault, estudando o sistema judiciário-penal, diz que em fins do século XVIII e início do XIX, dão-se significativas transformações nos sistemas penais da Europa e do mundo, devido a reelaboração teórica da lei penal atribuída a Beccaria, Bentham, Brissot e em legisladores que são autores do 1º e do 2º Código Penal francês da época revolucionária. O crime ou a infração penal é a ruptura com a lei, lei civil explicitamente estabelecida no interior de uma sociedade pelo lado legislativo do poder político. Para que haja infração é preciso haver um poder político, uma lei e que essa lei tenha sido efetivamente formulada. Antes de a lei existir, não pode haver infração. (FOUCAULT, 2001, p. 80).
O termo de bem viver é um instrumento de punição do indivíduo de vida desqualificada e com esse dispositivo toda penalidade passa a ser um controle, não tanto sobre se o que fizeram os indivíduos está em conformidade ou não com a lei, mas ao nível do que podem fazer.
Acompanhando os debates jurídicos nos documentos legislativos e nos processos policiais do período de 1824 até 1870 na cidade de São Paulo vemos emergir uma série de leis, decretos e posturas[1][v] sendo publicadas e tendo vigência no cotidiano urbano. Com isso acreditamos que é nesse momento que no Brasil aprimoram-se ou até mesmo criam-se: prisões, casas de correção e penitenciárias, entre tantas outras instituições de “seqüestro”, nas palavras de Foucault.

Certos comportamentos, até então irrelevantes, passam a ser nocivos, intolerados, “ameaçadores da ordem pública e da paz das famílias”. Como vemos na postura datada de 10/03/1865, art. 67: Aquelas pessoas que perturbarem o sossego público nas horas de silêncio, com gestos, assoados, vozearias, etc. serão multadas em 10$000. Estas horas devem entender-se depois do toque de recolhida, vendas e portas fechadas.
Os processos policiais de termo de bem viver revelam o grau dessa intolerância para com os indivíduos pobres prescritos pelo Código do Processo Criminal de 1832 como “vadios”. Assim, esses instrumentos públicos, agenciados pelo poder, tornam-se normatizadores da ordem na vida cotidiana. Desse modo, aqueles comportamentos tidos (tipificados) como “desviantes” são permanentemente processados, assim como as ruas, becos, praças, tabernas e locais esconsos são sistematicamente vigiados.
Já na década de 1820, a província de São Paulo estabelece certos padrões de tolerância, assim expressos na sua postura: Capítulo IV – sobre a polícia das tabernas, casas de negócio, botequins. Art. 72. O taberneiro que conservar aberta a sua taberna depois do toque de recolher será multado em 8$000 réis[1][1][vi]
No ano de 1823, portanto, anterior à publicação da Carta Constitucional que só será publicada em 25 de março de 1824, certos valores estão expressos nas posturas municipais, redefinindo as tradições, mudando, modelando-as para a exigência da elite imperial emergente. O poder vai trabalhar com uma certa hipótese da periculosidade - num grau efetivo, daí a advertência àqueles locais que podem representar ameaças aos valores da elite, aparecendo também a noção de multa, para que algumas práticas sejam toleradas e até aceitas mediante o seu pagamento, ou seja, a infração pode ter um preço, por sua existência, pois não seria possível a sua total abolição do quadro social, uma vez que congrega um elevado número de indivíduos, como no caso das tabernas, citada no parágrafo anterior.
Outro exemplo da vigilância e da presença do poder público que se faz sentir, consta na postura provincial de São Paulo de 1823, art. 36, referente à multa sobre o indivíduo que:

[...] em lugar público proferir palavras obscenas, que ofenderão a decência e a moralidade pública, será multado em 6$000 réis. Art. 36 fica proibido escrever dísticos, figuras desonestas, ou palavras obscenas sobre os muros, as paredes dos edifícios ou muros. O infrator será multado em 6$000 réis, e obrigado a mandar apagar[1][vii]

Aparece nessa postura a noção de infrator, segundo o próprio documento. Vemos assim a preocupação com a suposta ordem moral que se pretende estabelecer na cidade.
Com essa documentação jurídico-policial do século XIX aparece um modelo diferente de discurso do cotidiano, na qual o indivíduo de vida desqualificada é processado e tido como vadio. Nesse aspecto o Código Criminal publicado em 1830, surge como inaugurador oficial e vai dar sustentação à produção do discurso policial. Em seu art. 12 atribui competência aos Juízes de Paz para: § 2º obrigar a assinar termo de bem viver aos vadios, mendigos, bêbados por hábito, prostitutas, que perturbam o sossego público, aos turbulentos, que por palavras, ou ações ofendem os bons costumes, a tranqüilidade pública, e a paz das famílias[1][1][viii]
Assim estabelecida, a “instância policial” passa a registrar esses comportamentos que fogem da norma prescrita e podem, não obstante, representar um perigo potencial para as aspirações de ordem imperial.
Desse modo dá-se o enfrentamento entre aquelas práticas tradicionais ou culturais, daqueles indivíduos pobres e de vida desqualificada, que passa a ser percebido como perigoso e que por ser violento pode destruir a estrutura da sociedade “ordenada” que se deseja para o País. Nesse âmbito grande parte da cultura popular poderia ser também considerada como uma ameaça à própria estabilidade social. A redefinição de ordem pública e a emergência de um novo paradigma refletem a ruptura das antigas bases sócios-politicas colonial.
É bastante significativa a fala dos indivíduos acusados nos processos de termo de bem viver, na presença do delegado sempre dizem que não se sentem na obrigação de assinar o documento, pois argumentam que não cometeram infração nenhuma. Fica bastante evidente a prática do poder penal em registrar qualquer conduta popular vendo-a como infração, do outro lado denominado réu temos a opinião sobre o que este entende como crime.
Poderíamos sugerir que essa massa documental produzida pelo poder jurídico-policial que se estende até o final do século XIX, possivelmente tenha redefinido e ampliado o conceito de crime, abrangendo a embriaguez, a mendicidade, os jogadores e os ociosos. Uma categoria subjetiva que também entra no plano discursivo da punição é denominada de “vadiagem”, ou seja, qualquer individuo “suspeito” é levado preso para assinar termo de bem viver, sendo ali exposto no mínimo ao constrangimento. Ao produzir o discurso acerca do crime envolve-se toda a sociedade numa espécie de “rede de delação”.
O emergir do Estado-Nação traz consigo o aparato jurídico, responsável pelas leis que redefinem o conceito de crime na sociedade, assim como o aparelho que fará cumprir essas leis, a “polícia”. Esses dois instrumentos em conjunto serão o braço direito do Estado imperial a serviço da imposição da idéia de nação e da sua efetiva consolidação.
Segundo Malerba (1994: 52) a mentalidade escravista do século XIX, orientada pelo mundo da ordem, considerava o seu oposto como crime, tornando-o passível de penas previstas no Código Criminal. Assim considerados como delito: Não tomar qualquer pessoa uma ocupação honesta, e útil, de que possa subsistir, depois de advertido pelo juiz de paz, não tendo renda suficiente, penas de prisão com trabalho de oito a vinte e quatro dias, simplesmente por ser vadio, e de prisão simples ou com trabalho, “segundo o estado das forças do mendigo”, de oito dias a um mês, por estar simplesmente “andar mendigando” (artigos 295 e 296 do Código Criminal do Império, respectivamente).
O Código Criminal de 1830, e posteriormente Código do Processo Criminal em Primeira Instância de 1832, as Posturas e Leis, constitui-se em documentos normatizadores das tradições populares dos indivíduos de vida pobre. A partir dessas leis imperiais são redefinidos os valores sociais até então tolerados no período colonial. O império inaugurado em 1822 com a separação política de Portugal e afirmado com a Carta Constitucional de 1824, assim estabelece no seu art. 168 organizar-se a, quanto antes, um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade. Esse surge seis anos após em 1830 e é promulgado em Primeira Instância em 1832, ficando estabelecido e definido as disposições acerca da justiça penal do Brasil.
O Estado brasileiro complementa a sua consolidação, juridicamente, com a publicação do Código Criminal de 1830 e se estende impondo a submissão aos indivíduos pobres, contudo, não mais excluindo como o modelo penal das Ordenações do Reino, mas, incorporando estes à insurgente nação e ao seu modelo de “civilização”. Um exemplo da inserção dos pobres no projeto de nação, refere-se à prática de prisão com trabalho, uma vez que o indivíduo, embora, na condição de detento, exerce uma função social.
Analisando a Coleção das Leis e Decretos do Governo do Império do Brasil, observamos uma característica muito peculiar referente ao Governo Central. Todos os debates ocorridos na Assembléia Legislativa Provincial era remetido para averiguação e só posteriormente publicados. Assim também acontecia com os relatórios dos Juízes Municipais e Presidentes de Províncias, que chegavam até as suas mãos. Para tanto o Poder Moderador estava fixado na Carta Constitucional de 1824, e atribuía ao Imperador a função de “gerenciador” do Estado brasileiro.
Richard Graham (2001: 36/37) assim reflete acerca da relação do imperador com as elites brasileiras:

Pedindo e concedendo tais cargos, tanto sustentavam o equipamento do estado como se tornava a sua própria razão de ser. Na visão da maioria dos homens abastados, depois de 1840, a função do governo central era conceder-lhes tais posições e cargos, e era através de tal nomeação que o governo preenchia eu objetivo. As posições mais procuradas eram três: oficial da Guarda Nacional, delegado de polícia e designação como Juiz substituto do município. Cada uma dessas posições assegurava autoridade legitima para o detentor.

Concordando com essa reflexão temos, então, claramente a grande procura de favores envolvendo a área administrativa do Império, segundo o autor buscavam posições de autoridade. Assim os delegados e juízes nomeados pelo imperador, por favor, ou simpatia, atuavam regionalmente na manutenção do decoro exigido pelo Código Criminal, mas, sobretudo, fazendo uso dessa posição de poder em seu próprio benefício.
Desse modo, os governos central e regional, apossados e amparados pelo aparelho de Estado criam no Brasil um modelo de Nação baseado nos favores entre a camada abastada e a nobreza, restando à pobreza a sua inclusão por meio de táticas e estratégias muitas vezes cara a si próprios, mas, sobretudo, vemos essa característica do Estado-Nação em inserir os pobres no modelo de nação por meio de mecanismos jurídico-policial estranhos a esses indivíduos, sem cidadania alguma tinham que preencher os requisitos exigidos pelo Código Criminal, e pelas posturas, tendo na polícia o seu aparelho vigilante.
O termo de bem viver pensado nesse contexto significou a parte prática e eficiente. Documento essencialmente normatizador daquilo que o Império desejava, “paz e tranqüilidade pública”, foi também o instrumento corretivo daqueles comportamentos indesejados e temidos: “vadiagem”, “prostituição”, “embriaguez”, “embriaguez”, e tantos outros. Condutas essas quase que indefinidas pela lei, categorias subjetivas. O mais provável é que esse comportamento desqualificado fazia parte do modelo de sociedade escravocrata. Aos indivíduos pobres livres não restavam muitas oportunidades de ascensão social, financeira ou política, restando e eles as prestações de serviços para preencher as lacunas entre a “casa grande e a senzala”. Trabalhar em serviços que os senhores de escravos e seus filhos evidentemente não executavam, e que dada a estrutura social vigente também não competia aos escravos.
Para os indivíduos pobres livres, sem cidadania alguma e passíveis de periculosidade, restou-lhes a tentativa de inserção no modelo emergente de nação por meio da lei, dos processos, da obrigatoriedade e das multas. Para tanto a prática processual de termo de bem viver é um exemplo lúcido do esforço policial para regulamentar uma parcela da população desclassificada e numerosa que pairava no sistema escravista.
No Brasil, o Estado chegou antes da nação, precedeu a sociedade. Desde o seu primeiro dia de colonização, o território se viu às voltas com Leis, Ordenações, Alvarás, Cartas Régias, funcionários e burocratas, ou seja, com as manifestações visíveis do poder do Estado e da sua devida burocracia. Exigiu a assimilação das leis a uma população alheia, miserável, de pobres e escravos, antes mesmo que esses indivíduos tenham polido seu desejo de formar uma sociedade mediante a convivência, o respeito recíproco e a aceitação de determinados limites ao arbítrio individual, antes mesmo que esses indivíduos pobres tenham compartilhado de sacrifícios e dificuldades, que constituirão sua história, ou em outras palavras, antes mesmo que tenha sido constituída a nação. O processo se inverte e a nação passa a ser moldada pelo Estado, e não o contrário. Esse foi o caso que se iniciou quando Martim Afonso de Souza aportou nesse solo gentil trazendo consigo o “Estado Português”, desde o seu primeiro dia de colonização essa terra tupiniquim se viu envolta com Leis e Ordenações alheias a tudo o que aqui existia, índios.
Finalmente, consideramos que os caminhos trilhados pelo poder penal no País, a partir do advento penal de 1830 parece ter sido mais uma fase do processo de uma estatização trágica para os indivíduos de vidas tradicionais, os pobres livres. Assim, a publicação do Código Criminal, na terceira década do século dezenove, solidifica o aparelho jurídico-penal e, ampara o desenvolvimento de instituições coercitivas para melhor permitir o controle desses indivíduos no âmbito da sua periculosidade, ou seja, é utilizada uma forma de poder quase sem fronteiras na inserção dessa parcela de indivíduos no “progresso” da Nação imperial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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quinta-feira, 15 de maio de 2008

Resumo do texto: Cem Anos Pensando a Pobreza (Urbana) no Brasil; de: Lícia Valladares




Com o objetivo de resgatar as imagens e representação da pobreza urbana na Brasil ao longo dos últimos cem anos, lechia Valadares discorre através de uma vasta literatura como o Brasil enquanto nação moderna e urbana passa a definir a pobreza e seus sujeitos, a intenção não é investigar sem houver ou não aumento da pobreza, mais sim analise da natureza do termo “pobreza” e “pobre” e seus sinônimos dentro de um contexto de mudanças na sociedade brasileira.
Discutem o curso de uma nova ordem econômica e o advento da republica, a formação e o controle da classe trabalhadora e a criação de novos valores na virada do século no rio de janeiro e são Paulo; verificando o processo de urbanização e as transformações no mercado de trabalho com o surgimento da industrialização e terceirização, onde seu principal objetivo era a analise das camadas populares dentro dessas mudanças, onde a autora sugere uma multiplicidade ao tratar da pobreza – sanitarista, jurídico, político e econômico. O qual será dividido em três período distinto:

· Virada do século foi marcada pela transição do Brasil para uma ordem capitalista

· Décadas de 50 e 60, um amplo mercado de trabalho urbano, urbanização e marginalização de alguns segmentos da população das grandes cidades.

· Décadas de 70 e 80, uma forte crise no modelo de desenvolvimento e o aumento do trabalho informal nas metrópoles e por outro lado um processo de concentração de renda.


A parti de da analise de cada uma período se tenta chega à concepção de pobreza, cuja hipótese é que tal evolução guarda estreita relação com o processo de urbanização e transformação no mercado de trabalho.

Virada do século: a descoberta da pobreza
Embora já existia pobreza no espaço urbano desde do Brasil colônia, foi no processo de transição para o sistema capitalista e suas relações sociais e de uma grande urbanização no rio de janeiro que deu origem a uma preocupação para com a pobreza, mais esse discurso não se deu a fim de combater a pobreza, mais sim de garantir em primeiro lugar a questão da saúde e da necessidade de higienização da cidade, assim como em muitos paises europeus foi à questão sanitária que abriu o caminho para se conhece as precárias situações em que vivia mais de meio milhões de pessoas; um verdadeiro “inferno social”, a cidade era a capital das epidemias (febre amarela, peste, cólera, varíola e tuberculose), o principal motivo para essas catástrofes era as condições de higiene da camada mais pobre da sociedade e suas moradias e, sobretudo os famosos cortiços; onde existia falha no abastecimento de água e péssimas condições de saneamento básico dando ao rio uma semelhança às cidades da Inglaterra. Vitoriana. Devido ao excesso de insalubridade e penúria.
As denuncias realizada pelos sanitaristas foram importantes para uma futura intervenção sobre a pobreza, a fim de combater as epidemias foi proibida a construção de novos cortiços e o fechamento de vários deles com a demolição só maior de toda a famosa cabeça de porco, liderada pelo sanitarista Oswaldo cruz e conjunto com a reforma urbana de pereira passos; em conjunto com as necessidades do melhores condições sanitárias houve também um discurso político no sentido da manutenção ordem social, surgiu a idéias que onde há sujeira existi o crime, assim os cortiços passaram a ser considerados o berço dos criminosos e seus moradores denominados de “classes perigosas”, fazendo o uso de um discurso ideológico e dualista, uma dicotomia entre os trabalhadores da fabrica e os moradores do cortiço, onde vivia o criminoso, delinqüente ou vagabundo e desordeiro que vivia entre o cortiço e a rua, alis a rua era um complemento do cortiço um verdadeiro espaço de guerra entre ambulantes e policia já. Que existia uma lei onde vadiagem era crime, esses conflitos se acentuariam devido a uma serie de medida feita pelo prefeito pereira passos na cidade, quando o governo passou a fiscalizar a fim de retirar animais das ruas, por ordem nas ruas e desinfetar a cidade o que desencadearam uma series de protesto e revoltas populares o que só confirmava que essa camada da população eram “classes perigosas”, uma das principais revoltas foi a da vacina, que segundo o discurso dominante foi uma rebelião promovida por desordeiros desocupados, cujo não houve a participação do “verdadeiro povo” os operários; valorizando o trabalho nas fabricas como uma forma de inserção na sociedade de bem, era necessário se construir uma valorização positiva para o trabalho, pois esse ainda estava ligado ao sentido escravista, sendo preciso fazer que o liberto “amasse” o trabalho, e transmitir que o trabalho é o valor mais importante da vida, ao contrario s eram visto como “resíduo” aos olhos das elites, o pobre. Era aquele que não se transformava em trabalhador, fora do mercado do trabalho formal, que recusava o assalariamento.
A vadiagem, a ociosidade, a pobreza eram, pois tratada como um problema individual, eram assim porque se recusava a trabalhar no fabrica, assim colocava trabalhador de um lado e vadio do outro.

Os anos 50-60: A eclosão da pobreza e seu reconhecimento enquanto questão social.
Após cinco década desde a virada do século, vários idéias da recém-criada república foram posta em pratica, o Brasil de sua economia baseada no agrário-exportadora, a urbanização se encontrava no eixo rio - são Paulo seguido de belo horizonte, salvador e recife, fortaleza e Curitiba, onde houve um crescimento maior do que a capacidade de criação de emprego, e sem ter como garantir condições básicas para um numero cada vez maior de pessoas, a pobreza urbana se torna uma gestão social, o cortiço carioca são deixado pra trás, pois agora surgi à favela que passa a ser um principal reduto das massas pobres, o discurso sobre a pobreza ganha um porta-voz – o cientista social; sugere uma nova noção de pobreza, relativiza-se que a pobreza é um problema individual, mais cabendo muito mais á sociedade do que a ele mesmo a culpa por uma condição do qual ele não tem escolha, a parti dessa novo entendimento os pobre não são mais tidos como ociosos ou vadios, agora eram apenas massa de excluídos do. Sistema econômico, no entanto a marginalidade tem sua expressão máxima na favela, o termo “favelado”, “população marginal” ou “população de baixa renda” Passa a ser sinônimo do pobre, o espaço da favela é visto semelhantes aos cortiços do inicio da virada, surgi outra visão dicotômica na sociedade, marcada pela oposição cidade/favela;
A nova capital brasileira já instalada em Brasília começa a elaborar programas de atendimento a essa população pobre ou “carente”, a pobreza passa a ser o fenômeno de insuficiência de renda tendo o salário mínimo como parâmetro, assim é possível diferenciar grupos no interior da população pobre: aqueles acima ou abaixo da linha da pobreza; aqueles com ou sem renda regular.
Houve uma serie de políticas publicas para a população de baixa renda, programas na área de habitação com a construção de vários conjuntos habitacionais que visava às famílias das favelas, o que gerava um novo “recorte” da pobreza assim com o usa da renda per capitã ou da renda familiar, introduziriam novas divisões no qual diferenciava as famílias mais pobres por tipo de habitação.

As décadas de 70 e 80: Generalização e sedimentação da pobreza
A diversa nomenclatura relativa á pobreza vai continuar, mais agora é necessário novas noções de pobreza, o Brasil passa a ser a 8ª maior economia do mundo, experimenta profundas transformações na sua estrutura econômica e social e urbana; sua economia é baseada nas grandes empresas, o processo de urbanização é constante, 69,5% da população já estava em área urbana, junto com essa crescimento nascem o que nossos cientistas sociais denominaram de “periferização”, agora temos os chamados “morador da periferia” em detrimento do “favelado” reconhecido como marginalizado, os moradores de periferia moram longe dos grandes centros, em loteamento, são moradores pobres e busca do direito a cidadanias.
O discurso sobre a pobreza a parti da década 70, tem inaugura mais uma visão dualista ao do emprego “formal” e do informal, e uma nova oposição: trabalhadores pobres x bandidos, pois agora todo aquele que desempenham alguma função é dito como trabalhador, agora quase cem anos depois dos primeiro conflito e olhares sobre a pobreza, onde existia uma enorme diferença entra “trabalhador x vadio” generaliza-se à idéia de que a pobreza em antes de tudo um problema do mundo da carência ““.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Hitler, Brasil e raças


Hitler era racista por ser político. Ele mesmo declara a Rauschning: ‘Sei tão bem quanto todos vocês, intelectuais, poços de saber, que não existem raças no sentido científico da palavra. Você que é criador de animais, você é obrigado a se ater à idéia de raça, sem a qual qualquer criação seria impossível. Eu, que sou político, também preciso de raças por ser uma idéia que me permite dissolver a ordem estabelecida no mundo e substituí-la por uma nova ordem, construir uma anti-história’ (Paris, Ed. Aimery Somogy, 1979).
O filósofo judeu Lévinas, já em seu ensaio “Algumas Reflexões sobre a Filosofia do Hitlerismo”, publicado na Revista Esprit (Paris, 1934), afirmou que os nazistas precisaram inventar as raças, pois elas não existiam.

Adolf Eichmann, militar da SS, ficou conhecido como executor chefe do Terceiro Reich pela sua liderança na logística de extermínio dos campos de concentração, tecnologia da morte importada da União Soviética, também chamada ‘Solução Final’. Eichmann declarou no julgamento em Israel que simplesmente defendera a existência de raças e as diferenças qualitativas entre elas.
Claude Lévi-Strauss, membro correspondente da Academia Brasileira de Filosofia, em seu livro ‘Raça e História’, critica o pai das teorias racistas Gobineau, diplomata e filósofo francês, autor do ‘Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas’ (1855). Para Gobineau, que foi diplomata no Brasil e o odiava pelas ‘raças’, a desigualdade das raças humanas era qualitativa, eram desiguais em valor absoluto e nas suas aptidões particulares.

O político brasileiro resolveu inventar as raças contra a Constituição Federal. Enganar não é amar ao próximo.

sábado, 3 de maio de 2008

Nietzsche __= Individualismo e "vontade de poder"


Friedrich Nietzsche era formado em filologia clássica e não em filosofia. Tornou-se filósofo, segundo ele mesmo diz, devido à leitura de Schopenhauer. Concorda com a visão de mundo deste filósofo em três questões essenciais: a) a inexistência de Deus; b) a inexistência de alma; c) a falta de sentido da vida, que se constitui de sofrimento e luta, impelida por uma força irracional, que podemos chamar de vontade.No entanto, ao contrário de Schopenhauer, Nietszche não vê a realidade repartida em duas, o fenômeno e a coisa em si. Considera que este mundo é a única parte da realidade e que não devemos rejeitá-lo ou nos afastar dele, mas viver nele com plenitude. Como, porém, fazer isso num mundo sem Deus e sem sentido?Nietszche começa a resolver o problema fazendo um ataque à moral e aos valores existentes na sociedade que lhe é contemporânea. Segundo o filósofo, esses valores derivam de civilizações já inexistentes, como a grega e a judaica, e de religiões em que muitos - senão a maioria - já não tem fé. Precisamos, portanto, de uma nova base para assentar nossos valores.
Justiça dos fracos :
civilização, de acordo com o Nietzsche, foi criada pelos fortes, pelos inteligentes, pelos homens competentes, os líderes que se destacaram da massa. Moralistas como Sócrates e Jesus, porém, negaram essa realidade em nome dos fracos.Propagando uma moral que protegia os fracos dos fortes, os mansos dos ousados, que valorizava a justiça em vez da força, eles inverteram os processos pelos quais o homem se elevou acima dos animais e exaltaram como virtudes características típicas de escravos: abnegação, auto-sacrifício, colocar a vida a serviço dos outros.
"Super-homem" :
Considerando que tais valores não têm origem divina ou transcendente, Nietzsche afirma que somos livres para negá-los e escolher nossos próprios valores. Ao "tu deves" devemos responder com o "eu quero". É à vontade de poder que permite ao indivíduo que se autoelege desenvolver seu potencial máximo de modo a tornar-se um super-homem ou um ser além-do-homem - isto é, que se coloca acima da massa.Nietzsche identifica o "super-homem" em personagens como Napoleão, Lutero, Goethe e até mesmo Sócrates (não por suas idéias, mas pela coragem de levá-las às últimas conseqüências). Enfim, no líder que tem vontade de poder, que ousa tornar-se o que realmente é. É assim que se afirma a vida e se pode atingir a auto-realização.Naturalmente, o filósofo sabe que isso não vai abolir os conflitos e nem se preocupa com isso, pois considera os conflitos como um estímulo. De resto, querer abolir a competição, a derrota e o sofrimento são o mesmo que pretender abolir a lei da gravidade.
Desafio e resposta :
O pensamento nietzschiano pode ser avaliado sob duas perspectivas. Por um lado, ele postula um supremo desafio ético ao propor uma reavaliação radical dos valores morais da humanidade. Nesse sentido, ele apresentou o problema sobre o qual iriam se debruçar muitos filósofos do século 20, a partir dos existencialistas.Por outro, a resposta que ele propõe a esse desafio - marcada pelo individualismo e pela "lei do mais forte" (que pode ser também o mais inteligente ou o mais talentoso) - desaguou no nazi-fascismo, que se apropriou de suas idéias e o usou em sua propaganda. No encontro histórico de Mussolini e Hitler, em 1938, o líder alemão presenteou o italiano com uma coleção das obras de Nietzsche.Convém lembrar, porém, que o filósofo já em sua época ridicularizava o nacionalismo alemão. Quanto ao seu propalado anti-semitismo, pode ser desmentido por um de seus próprios aforismos: "Os anti-semitas não perdoam os judeus por terem intelecto e dinheiro. Anti-semita: outro nome para 'roto e esfarrapado'".Não se pode falar de Nietzsche sem comentar o aspecto literário de sua obra. A maioria de seus livros não é escrita no tipo de prosa dissertativa característica da filosofia, com argumentos e contra-argumentos expostos na íntegra. Ao contrário, estão sob a forma fragmentária de aforismos e parágrafos numerados separadamente, ou ainda como epigramas ou na linguagem dos textos religiosos, como se vê em uma de suas obras mais conhecidas: "Assim falou Zaratustra".

Elogio da Loucura Obra de Erasmo de Roterdã marcou Renascimento


Uma das mais célebres obras filosóficas do Renascimento, "O Elogio da Loucura" foi escrito originalmente em latim ("Encomium Moriae") e publicada em Paris, no ano de 1511, pelo escritor, filósofo e teólogo Desidério Erasmo (1469-1536), dito Erasmo de Roterdã, porto holandês onde nasceu.Desde seu título, ela é uma homenagem a Thomas More, autor da "Utopia" e grande amigo de Erasmo. Observe a semelhança entre o nome More e Moria (loucura). "O Elogio da Loucura" fez grande sucesso à época de seu lançamento e continua atual.Deve-se destacar que se trata certamente de uma das obras filosóficas mais divertidas de todos os tempos, uma vez que seu autor resolveu escrevê-la de modo francamente satírico, em seus 68 breves capítulos.
Cristianismo e ProtestantismoNo texto, a Loucura, personificada como uma entidade viva, faz seu próprio elogio e se demonstra a imperatriz da humanidade, uma vez que ela é a "mola oculta da vida" e ninguém lhe escapa.É assim, em tom de brincadeira, que Erasmo denuncia males reais, como a ingratidão, a hipocrisia e a intolerância. Esta última, diga-se de passagem, ocupa uma posição de destaque na obra, de vez que se está num momento de grande litígio religioso. Lutero se erguera contra o papa, lançando as bases da Reforma protestante.Erasmo, porém, coloca-se numa posição equidistante entre católicos e protestantes, zombando tanto da pretensão destes últimos, que reinterpretam o cristianismo, quanto da arrogância dos cristãos. Exatamente por isso, o pensador se torna a grande expressão do humanismo cristão do período.
HumanismoO humanismo deve ser entendido como um movimento literário e filosófico que nasceu na Itália, na segunda metade do século 14 e se difundiu dali para os demais países da Europa, sendo a base ideológica do Renascimento. Constitui-se do reconhecimento do valor do homem na sua totalidade e a tentativa de compreendê-lo em seu mundo: a natureza e a história.A perspectiva humanista considera o homem em sua totalidade, como ser formado de alma e corpo, destinado a viver no mundo e a dominá-lo. Nesse sentido, o humanismo faz mudar o foco dos estudos acadêmicos conforme eram orientados na Idade Média, deixando de lado a metafísica e afirmando a importância do conhecimento das leis, da natureza, da medicina e da ética. Isso constitui a base da ciência moderna.